01 Oct
01Oct

 (a intransigência humana e suas consequências) 

Se ainda estivesse entre nós, que diria Amália sobre o estado da nação? Cantaria as crises políticas, a rotura do sistema de saúde, a saturação dos hospitais, a falta de médicos e enfermeiros, as macas e os doentes apinhados nos corredores? 

Cantaria a condição do Planeta, exausto de exploração, poluído e doente?

Debruçar-se-ia sobre as preocupações que a tantos assolam: as alterações climáticas, o degelo, as cimeiras erráticas, um blá blá blá em que todos opinam, mas de onde não sai solução? 

Que diria Amália, sobre a passividade de alguns chefes de Estado que não querem “baixar a guarda” e que parecem nem se importar com o rumo que o mundo leva nem com as vidas que o habitam, esses, os impenetráveis, os ricos e poderosos para quem apenas o poder importa, os sem coração, insensíveis e arrogantes onde a empatia não mora?


Que diria Amália sobre as temperaturas que teimam em subir, sobre as ilhas de plástico, da contaminação e da vida em risco nos oceanos? 

Que diria das pandemias que alastram, que condicionam e que matam e da pouca vontade dos cidadãos em colaborar para que tudo se vença e ultrapasse?



Que diria das guerras mesquinhas que tanto matam e a todos afetam?

Que diria dos valores exorbitantes gastos na produção de material bélico para matar inocentes, ao invés de investirem o dinheiro para saciar a fome a tantas crianças no mundo?


Talvez Amália se questionasse sobre o rumo que a humanidade está a levar. Existe ganância, rebeldia, incoerência. Existe gente acomodada, sem interesse no bem comum e propensa à intolerância. 

Existe um mundo desigual, onde os afetos e as oportunidades são desequilibrados e onde não há respeito por nada nem por ninguém. 

Que cantaria Amália?  

Que diria sobre a maldade dos homens e a falta de respeito pelo chão que pisam e do qual brotam as sementes que lhes são o alimento, tal como a água que a sede lhes sacia?  

E que diria das doenças ditas “do século” que a todos perturbam, que não poupam novos nem velhos, que angustiam e causam desespero, que acarretam incertezas e o pavor da finitude?

Ela que cantou as tradições do povo português e que levou o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo!… 

Que diria agora deste tempo enfermo, dos conflitos que alastram, que matam e devastam este lindo Planeta? 

E que diria de uma humanidade que caminha a passos largos para o abismo? Cantaria os gananciosos para quem nada mais interessa a não ser o poder e o lucro? 

Cantaria os políticos corruptos que infestam o país e os banqueiros ladrões que se riem da justiça?

Que diria Amália sobre a poluição dos mares e dos rios, e sobre os incêndios que todos os anos provocam devastação e dor?

Que diria sobre a revolta do interior da terra que cospe lava incandescente e destrói tudo ao seu redor, dos sismos que derrubam cidades inteiras, que causam o terror e matam aos milhares?

E as cheias que tudo levam na frente e que provocam caos e destruição, um fado fadado que já não tem solução? 


Que diria e de que modo o cantaria?

Quiçá, ao invés de cantar, Amália chorasse as desgraças de um Planeta a precisar de ser mimado, cuidado, recuperado, e não traído, vandalizado, explorado até à exaustão. 

Talvez Amália chorasse ao descobrir que a Terra não precisa desta raça mesquinha e destruidora, vil e usurpadora dos seus recursos naturais, desta raça que não respeita a casa onde mora, que não se incomoda com o futuro das novas gerações

Ó raça demolidora que não reconhece que faz mal à própria condição! 

Ah, Amália, Diva que seu canto difundiu por todo o lado, que vive na memória deste povo atormentado, se eu pudesse o que te diria? 

Apenas:

“Amália… canta-me um fado!”

Dulci Ferreira, a autora do texto

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.