Serrobico, tico, tico... Naquele tempo, as gentes dos povoados montemuranos...e não só, não esperavam que o sol nascesse para se " fazerem à vida".
Vida sem descanso, enrugada na alvorada que crescia nos montes.
Vida que se repetia dia após dia, naqueles lugares com alma!
Serra de Montemuro
Depois de uma noite dormida numa enxerga cheia de fadigas e canseiras, a mãe corria para a cozinha. Acendia o lume com urzes mirradas que estiravam nuvens de fumo e faziam chorar o colmo dos telhados para aquecer o caldito que ficou da ceia.
Minutos depois, com as pálpebras humedecidas, chamava:
- Levanta meu filho!
O gado tem que sair, olha como está agitado!
Não ouves as campainhas?
Era uma criança, como todas as crianças que habitavam as aldeias do Montemuro. Crianças cheias de sonhos e sem esperança que caminhavam nos duros trilhos entre as urzes e os penedos.
- Toma, leva a tua bucha e não esqueças a capucha.
- Vem lá calor, senhora Mãe, não preciso da capucha!
- Levas, sim, faz o que tua avó me ensinou. Ela nunca me deixou andar sem a capucha! Todos os dias me repetia o seguinte: " filha, por mais calor que faça nunca largues a capa".
E a criança, linda como um raio de sol, subia os montes com o rebanho para desaparecer entre a vegetação. A maioria das vezes, tinha por companhia os animais e a sua sombra. No entanto, havia momentos, em que as crianças podiam voar naquele horizonte tão perto do céu!
Que alegria sempre que se encontravam no monte!
- Tonito, vamos brincar às escondidas? - perguntou a Rita.
- Vamos, vamos! - disseram todos em coro.
- Vamos ver quem fica a dormir! - acrescentou o Manel!
Com as mãos no colo da Rita, o Tonito começou a lengalenga.
Serrobico, tico, tico quem te deu tamanho bico?
Foi a Senhora da Lapa Que matou uma vaca Toda a gente convidou.
Só uma mosquinha deixou!
Salta a pulga na balança E o piolho na tripeça manda o rei que vais à caça!
- Não quero essa!
Hoje, quero a outra que ontem fizemos na escola! - exclamou a Luísa.
E tudo volta ao princípio.
As mãos no colo da Rita e a Luísa lá ia dizendo a lengalenga, enquanto beliscava com o dedo indicador as mãos das outras crianças.
Serrobico, tico, tico Meu Senhor Jesus Cristo D. Maria matou uma vaca
A todos convidou só a mosquinha deixou
E a mosquinha para se vingar no jantar lá foi cagar
É de ouro é de prata vai-te esconder naquela buraca!
Sempre que diziam esta lengalenga, as gargalhadas das ingénuas crianças ecoavam pela serra com a leveza e a graça da inocência.
Eram muitos os dizeres utilizados pelas crianças nas suas brincadeiras tão simples.
Quem não conhece outra lengalenga usada para os mesmos fins? Esta, por exemplo, ensinada por mim, aos meninos das aldeias do Montemuro?
Serrobico, tico, tico Salta a pulga na balança diz o rei que vais à França!
Três cavalos a correr três meninas a aprender.
Qual será a mais bonita que se irá esconder?
E esta, tão usada na aldeia de Mouramorta, aquando lá dei aulas? Ainda perdura ou está sepultada na Fonte das Fontainhas onde a Moura dorme o sono eterno?
Aldeia de Moura Morta
Sola, sapato Rei, Rainha vai ao mar buscar sardinha para a filha do juiz Que está presa pelo nariz.
Os cavalos a correr as meninas a aprender qual será a mais bonita que se vai esconder?
Tanta riqueza cultural que o nosso país guarda no silêncio da noite!
Será que haverá tempo para fazer renascer este património etnográfico?
Celeste Almeida, a autora do texto