07 Aug
07Aug

-Ó senhora avó, porque não há escola aqui na aldeia? 
A minha mãe, andou aqui na escola!...
Porque estão as janelas e a porta sempre fechadas? 
Eu queria ver a escola por dentro, senhora avó!!!

 -Sabes minha querida neta , aquelas portas fecharam-se para sempre, no ano em que tua mãe fez a quarta classe! 

Foi o último ano, que a aldeia ouviu os gritos das crianças, ritmados em músicas desafinadas! 
Foi o último ano, em que as janelas tiveram vida! 
Em que a sala teve o pulsar de pequenos e frágeis corações! 
Em que o soalho de tábuas de pinheiro, foi gasto pelos socos e pés descalços! 
Em que o recreio rasgou a terra, com a corda que quebrava os ares e com a macaca que voava com asas no vago dos riscos tremidos!... 

-Porquê senhora avó?! Porquê?!... 

-Senta aqui, Ritinha, senta aqui, nesta pedra de vida vazia, nesta pedra onde tanta vez sepultei meus segredos e onde jazem minhas mágoas e lágrimas! 

Sentadas naquele penedo, peregrino do tempo, cerne do mundo em ruínas, a avó Maria contou, naquele dia vestido de sol, as mais lindas histórias que a pequena Beatriz, tinha ouvido! Desfolhou-as nas horas e desnudou o coração naquela ranhura que deixou escapar do seu peito! Falando com os gestos e com o olhar, foram bailando palavras que nunca antes a pequena criança tinha ouvido! 

-A nossa aldeia, é uma aldeia perdida de todos! Estamos aqui nos confins do mundo e ninguém que por cá passe, quer ficar! 

As senhoras professoras, minha neta, mal chegavam logo partiam!
Tinham medo do cheiro da morte e recusavam-se a ensinar as letras escritas com seu próprio sangue. 
Os anos adormeciam nos sonhos das crianças e os dias eram tingidos pelo cinzento da melancolia, que caía noite após noite na escuridão... 

Porquê senhora avó?! Porquê as senhoras professoras iam embora?!
A nossa aldeia é a mais linda do mundo!.. Parece a montanha da Heidi, avó!! 

-Pois é Beatriz, mas para as senhoras professoras era uma aldeia fantasma!
Não tinha telefone, não havia onde comprar peixe, carne, pão!
Nem sequer uma televisão havia!...
Como poderiam ficar as senhoras professoras? Como?! 

-Minha mãe contou-me que teve sempre a mesma professora,senhora avó!! 

-Foi uma linda história, essa! Ainda hoje sinto arrepios e meu corpo estremece de felicidade, a lembrar-me... 

Com a boca sequiosa, gemendo doces ais, a tia Maria, com as pontas dos dedos, ia passando as contas do rosário, rezadas à pressa sem orações. Com um brilho ténue no olhar mortífero, aconchegou a neta para o peito e começou...
aquele relato fiel, mais parecido com uma novela. 

-A tua mãe ia entrar para a escola no dia sete de outubro de mil novecentos e setenta e cinco. Teu falecido avô, que Deus o tenha, andava preocupado e durante três dias foi para a serra do moínho, esperar uma senhora professora. Ali passou os dias, suspenso nos fios frágeis da esperança. Levava o burrinho, aquele que morreu de velhice e de tanto carrego que se lhe pôs às costas... 

-Senhora avó, para que levava o senhor avô o burrinho?! 

-Para carregar a senhora professora minha neta! Como podiam uns pés tão delicados caminhar naquele carreiro de cabras? 
O burrinho era para a senhora professora montar e chegar sã e salva aqui à aldeia!.. 

-E depois, senhora avó?! E depois que aconteceu?! ... 

-Calma, minha neta, calma! À nossa terra, chegou naquele ano, um anjo! Um anjo que Deus nos enviou ! ...
Mas que anjo! Que será feito dessa bondosa senhora?! Que será feito dela?! Que Nossa Senhora de Fátima a abençoe, pois ela merece! ...

Gostava tanto de voltar a ver aquela senhora professora com os cabelos cor do ouro! Vê-la e sentir o abraço dela que era tão diferente dos outros!... 

Celeste Almeida, a autora desta história.

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