Quando eu adormecer, vela-me o sono.
Canta para mim a canção de embalar que me cantavas quando menina, e que levava para longe os fantasmas que cercavam o meu leito a cada anoitecer.
Com o teu canto dissipavam-se os medos e os receios de não conseguir responder positivamente aos desafios da vida, quando fosse grande, e todos os outros meninos me pareciam mais belos, fortes e capazes.
Todos construíam com maior eficiência e sagacidade seus palácios de cristal e seus castelos de robustez imperecível.
Só os meus eram de areia fina, tão frágeis e delicados como a minha catedral, prestes a desmoronar à primeira maré cheia.
Quando eu adormecer, fica de sentinela ao meu leito. Não permitas que meus sonhos me arrastem para o labiríntico enredo da noite, nem que fique presa na obscuridade infindável dos meus pesadelos.
Se me perder, acende uma vela e canta, para que, seguindo esse fio de luz e o som da tua voz, encontre de novo a orientação.
Canta para mim enquanto for preciso, o teu canto me apaziguará o espírito e as incertezas, dissipando as nuvens e clareando o céu do meu paraíso.
Quando eu adormecer, faz por mim tudo o que puderes.
Estende o meu corpo na proa do teu barco e leva-me a conquistar esses mares ainda por navegar.
Lança, sem medo as redes e espera...
Não esqueças que o deves fazer de coração aberto.
Se acreditares muito, matarás a fome ao teu irmão e a outras tantas bocas famintas de peixe e pão… e de verdade.
Não te inquietes com a demora da viagem, pois, enquanto houver um barco que se espraie no mar, haverá sempre um velho que zela e aguarda pelo seu regressar.
Se eu adormecer, que o meu leito seja o jardim do teu colo e entre as mais belas flores.
Deixa que me envolvam, pois, assim, o meu sono será perfumado.
As estrelas serão o meu cobertor e a luz da Lua a iluminação da minha cidade.
Deita-te ao meu lado e canta.
Cobre-me de beijos, faz-me tua e nunca, nunca me abandones.
In "UTOPIAS DO PENSAMENTO", Vol. 2 - "ENTRE O SONHO E A REALIDADE", Chiado Books, 2018
Dulci Ferreira, a autora do texto