28 Mar
28Mar

Eu vi, com estes olhos que a terra há-de comer, ou o fogo fizer em cinzas, o Penedo da Fonte Branca. 

Tarde bonita, a desfiar-se em luz. Tarde tranquila, quase gémea do sonho. 

Nas águas do Rio da Carvalhosa, ecoavam vozes vindas do silêncio do penedo.

Contaram-me seus segredos, escritos nas frestas do rochedo. Eu guardá-los-ei nas raízes dos meus cabelos. 

Estávamos no ano de 1166. 

Na Serra do Montemuro existia um castelo, escondido entre o arvoredo e as fragas. Um castelo, onde habitavam mouros, povo rude, habituados à luta e aos perigos. 

Numa noite morna, quase quente, as estrelas beijavam o cume da serra. Era uma noite sem luar. A escuridão e o silêncio pareciam subir pela montanha e chegar ao céu. 

Uma linda moura, caminhava em direção ao talegre, ponto com maior altitude da cordilheira. 

Seu desejo era escutar Deus e, perceber o motivo pelo qual, eram os cristãos e os mouros tão inimigos. 

Notou a presença de alguém, naquela obscuridade calma. A linda moura parou naquele labirinto de rochedos e arbustos silvestres. Pensou recuar, mas um braço forte colou-lhe os pés ao chão. 

-Quem és?  

-O que fazes por aqui, neste fim do mundo?  

-Chamo-me Salúquia e vivo naquele castelo, lá ao fundo, vês?  

-Sim, já sei! Teu povo e o meu são inimigos. Têm o prazer de se matar, pois andam ao mesmo. À conquista de território!  

Longe dos muros do castelo, avistando a torre alta, os dois jovens apoderaram-se do coração um do outro, como se desejassem calar as armas sangrentas e mortíferas dos campos da batalha. Olhando a escuridão daquela noite sem fim, os jovens, agora enamorados, sentiam o aroma das maias e das urzes. Vencida pelo cansaço, Salúquia encostou-se a um seixo e sentiu seus olhos a fecharem-se de sono. 

Depois de algum tempo, não sabe quanto, acordou com um leve ruído. Endireitou-se e sufocou um grito. 

-Mas, onde estou?  

-Como vim aqui parar?  

Num tom de voz profundo, apaixonado e baixo, Paulo respondeu-lhe: 

-Voaste nas minhas asas!  

Com receio de perder a sua amada, Paulo tinha-a pegado no sono e, afastou-se o mais que pode do lugar, onde os mouros respiravam. Desceu pela encosta e abrigou-se com ela, num labirinto de calhaus e mato silvestre. 

Salúquia calou-se buscando as palavras.  

Sentia-se confusa mas feliz.  

Acudiu-lhe ao pensamento um desejo muito íntimo: lançar-se ao pescoço e beijar aquele, que seus olhos nunca mais deixariam de olhar. Desequilibrou-se e escorregou nas folhas secas dos carvalhos. Paulo agarrou-a fortemente, mas o destino levou-os para o abismo. 

Caíram em cima de um penedo.  

Das suas cabeças jorrou sangue, que na fraga, se transformou numa água tão alva como a neve.  

Seus corpos solidificaram-se no quartzo e abraçaram-se para a eternidade, na dureza da pedra fria.  

Nunca mais os dois namorados se separaram.  Suas almas continuam vivas, na nascente do Penedo da Fonte Branca. 

Eu calcorreei aquelas fragas e fui ver a pia, onde a água, seiva da moura e do cristão, se beijam ao amanhecer e ao entardecer, nos murmúrios do lugar da Fonte Branca.

Celeste Almeida:  Autora do Texto

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.