Foi uma tarde mágica, esta que passei no seio das montanhas mágicas. Aninhada num vale profundo, entre as encostas íngremes da Serra de S. Macário, avistei a linda aldeia da Pena, com casinhas de xisto e cobertas de lousa.
Aldeia da Pena
Aventurar-me a descer, novamente, aquela estrada estreita que mais parece a enorme serpente que outrora obrigou as poucas pessoas que habitaram um outro lugar, a mudarem-se com muita PENA, para aquele vale, não fui capaz. O medo de encontrar outro carro foi maior que a minha coragem.
Desta vez, sentada numa pedra, deixei-me envolver por aquele sossego, viajar no mundo lendário e imaginar
"o morto que matou o vivo".
Depois de contemplar aquele lugar remoto, subi a elevação, ornada com enormes afloramentos rochosos que mais parecem esculturas feitas por alguma divindade naturalística e cheguei ao Monte de S. Macário, denominado até ao século XII de " Monte Magaio".
Chegada a este lugar quase virgem, senti-me num paraíso com uma paisagem de cortar a respiração.
Nos vales encaixam-se várias aldeias e eu embalada por um baloiço majestoso, senti-me abraçada pela serra do "meu" Montemuro, serra do Caramulo e a serra da Estrela todas elas visíveis naquele horizonte fantástico.
Este imponente lugar, bem no coração das Montanhas Mágicas, é povoado de mitos e lendas, sendo o ex libris a lenda de S. Macário, um eremita que se tornou Santo e Padroeiro desta serra.
São Macário
No cimo do monte, cheio de recantos mágicos, erguem-se duas ermidas, em homenagem ao santo:
As Ermidas de São Macário de Cima e de São Macário de baixo
Ermida de S. Macário de Cima
Ermida de S. Macário de Baixo,
constituindo um dos mais singulares santuários de montanha.
Mas, quem foi Macário e o porquê de ter em sua homenagem duas capelinhas?
Diz a memória das gentes que Macário era filho de um homem muito rico, natural de Castela.
Macário era considerado um boémio, tendo a caça como um dos prazeres que praticava amiudadamente, acompanhado pelo pai e pelos criados.
Certo dia, apareceu um javali e foram todos em sua perseguição, pois a carne deste animal selvagem era um dos manjares na mesa nobre da família.
Macário pega no arco e lança com fúria uma seta que foi direitinha ao peito do seu pai que apareceu, subitamente, vindo detrás de uma fraga.
Em poucos segundos o progenitor perdeu a vida.
Macário, louco de dor, gritando desesperadamente, fugiu e nunca mais foi visto.
Os amigos e os seus criados ainda o procuraram durante vários dias, mas acabaram por desistir, dizendo entre eles, que estaria morto num lugar qualquer.
Cansado, com os pés a sangrar, as roupas todas rotas, as barbas crescidas, escolheu um lugar ermo de uma serra distante. Lá viveu como ermitão, enclausurado do mundo, à espera do perdão de Deus.
Fez de uma gruta onde se escondiam os animais selvagens a sua casa.
Alimentava-se de raízes, frutos silvestres e gafanhotos, descendo algumas vezes às aldeias para pedir esmola e brasas para acender o lume entre as pedras. Não havia vivalma que não lhe enchesse o saco com pão e as brasas levava-as nas mãos sem se queimar.
Certo dia, Macário regressava à sua gruta com as brasas e surgiu-lhe o demónio, encarnado numa linda rapariga que lhe sorriu.
Sem resistir ao desejo, parou e a volúpia assombrou-lhe a paz de espírito.
Nesse instante, as brasas queimaram-lhe as mãos e Macário sentiu-se arrependido dos maus pensamentos.
Cheio de dor, começou a fazer penitência para remissão do pecado. Recolheu na mais profunda solidão, passou fome, alimentando o corpo e a alma com orações.
O demónio ainda tentou atormentá-lo outras vezes, mas sem sucesso.
Macário o eremita muitos anos viveu no Monte Magaio. Morreu velhinho quando já todas as pessoas da região o chamavam de santo.
Os anos passaram, mas a santidade do santo espalhou-se com os ventos fortes do monte. Atravessou montes e vales e chegou a muitos outros lugares.
Hoje, o Monte Magaio é chamado Serra de S Macário.
Para perpetuar e venerar a memória do santo, existem duas capelinhas.
Uma construida encostada à gruta onde viveu: o S. Macário de Baixo.
A outra, alguns metros mais acima a de S. Macário de Cima, protegida dos ventos fortes por um muro construído à sua volta.
Os romeiros e os peregrinos ocorrem ao santuário todos os dias para rezarem ao santo, mas o dia mais venerado é o último domingo de Julho, dia da Festa em honra do S. Macário.
O mundo lendário é muito rico. Deixou-nos um legado muito valioso que passa de geração em geração.
Verdadeiras?
Fruto da imaginação das pessoas?
Talvez sejam ambas as coisas, mas uma coisa é certa:
as lendas são narrativas transmitidas oralmente pelas pessoas, que explicam acontecimentos misteriosos, misturados com factos reais.
Narrativas que ao longo dos tempos se vão metamorfoseando.
Assim se explica, a razão de existirem lendas diferentes contextualizando o mesmo assunto.
Eu, própria, conheço outras lendas sobre o S. Macário bem diferentes desta.
Celeste Almeida, a autora do texto