31 Jul
31Jul

No banco, sentamos a tristeza e a desilusão 

Os pensamentos obscuros 

Os sentimentos complexos 

De raiva, de fúria louca 

De desamor 

De inquietação 

De desespero 

De angústia… 

E observamos os transeuntes 

Alienados da dor que nos consome por dentro.

No banco, sentamos as emoções 

As mãos entrelaçadas 

As cabeças nos ombros pousadas 

O beijo que se come 

O riso que se desenha no olhar 

A lágrima que se bebe 

A respiração ofegante da promessa 

O peito que arqueja de vontades 

O abraço que aconchega sem pressa. 


No banco sentamos a distância 

Sonhamos a proximidade 

Ansiamos o colo que conforta 

Sofremos o aperto da saudade. 


Sentei-me naquele banco 

De avenida agitada, corrida 

Em intenso movimento 

Observei a quietude do momento 

A brisa a tatear-me o rosto 

O Sol a beijar-me a pele 

Os passos parados no tempo 

O vozeado das conversas indiscretas 

Os zunzuns impercetíveis das falas 

Que já nada dizem 

Que já não entendo 

Que me desesperam…

No banco, sentamos os discursos importantes 

E as alocuções banais 

São agora, apenas ruído de fundo… 

Fechei os olhos e entrei em mim 

Imaginei-me vivendo outra vida 

A esquecer o que fui, o que sou 

E a fazer viagens solitárias 

Sentada no banco da avenida 


Porque, no banco 

Sentamos o abandono das mãos 

E o retiro dos pés 

E voamos 

Somos peregrinos errantes 

Viajantes de um tempo sem tempo 

Livres de amarras e do aprisionamento 

De quatro paredes.

No banco sentamos a quimera 

Estendemos o olhar 

E não nos incomodamos 

Com quem vem ou com quem vai. 

Somos tão grandes quanto pequenos 

De rosto ao vento, ao sol e ao luar. 

Compreendo agora os sem abrigo 

Aqueles que do banco fazem sua cama 

Aqueles que no banco têm o seu lar. 


Hoje, quero sentar-me no banco da avenida 

Ou de um jardim qualquer 

Entregar-me ao vento e deixar-me afagar 

Por essa carícia sem dedos 

Por esse caminhar sem pés 

Por esse voar sem asas 

Por esse ir deixando-me apenas ficar. 

No abandono do meu corpo de mulher 


No banco, hoje sento o meu cansaço.

Dulci Ferreira, a autora da prosa

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