No banco, sentamos a tristeza e a desilusão
Os pensamentos obscuros
Os sentimentos complexos
De raiva, de fúria louca
De desamor
De inquietação
De desespero
De angústia…
E observamos os transeuntes
Alienados da dor que nos consome por dentro.
No banco, sentamos as emoções
As mãos entrelaçadas
As cabeças nos ombros pousadas
O beijo que se come
O riso que se desenha no olhar
A lágrima que se bebe
A respiração ofegante da promessa
O peito que arqueja de vontades
O abraço que aconchega sem pressa.
No banco sentamos a distância
Sonhamos a proximidade
Ansiamos o colo que conforta
Sofremos o aperto da saudade.
Sentei-me naquele banco
De avenida agitada, corrida
Em intenso movimento
Observei a quietude do momento
A brisa a tatear-me o rosto
O Sol a beijar-me a pele
Os passos parados no tempo
O vozeado das conversas indiscretas
Os zunzuns impercetíveis das falas
Que já nada dizem
Que já não entendo
Que me desesperam…
No banco, sentamos os discursos importantes
E as alocuções banais
São agora, apenas ruído de fundo…
Fechei os olhos e entrei em mim
Imaginei-me vivendo outra vida
A esquecer o que fui, o que sou
E a fazer viagens solitárias
Sentada no banco da avenida
Porque, no banco
Sentamos o abandono das mãos
E o retiro dos pés
E voamos
Somos peregrinos errantes
Viajantes de um tempo sem tempo
Livres de amarras e do aprisionamento
De quatro paredes.
No banco sentamos a quimera
Estendemos o olhar
E não nos incomodamos
Com quem vem ou com quem vai.
Somos tão grandes quanto pequenos
De rosto ao vento, ao sol e ao luar.
Compreendo agora os sem abrigo
Aqueles que do banco fazem sua cama
Aqueles que no banco têm o seu lar.
Hoje, quero sentar-me no banco da avenida
Ou de um jardim qualquer
Entregar-me ao vento e deixar-me afagar
Por essa carícia sem dedos
Por esse caminhar sem pés
Por esse voar sem asas
Por esse ir deixando-me apenas ficar.
No abandono do meu corpo de mulher
No banco, hoje sento o meu cansaço.
Dulci Ferreira, a autora da prosa