Depois de transporem os portões brasonados da quinta, ainda percorreram longa distância até chegarem ao destino. Eva estava maravilhada com a paisagem. Tanto verde numa área estimada em cento e oitenta hectares de terreno, a maior parte ocupada por vinhedos, oliveiras e árvores centenárias. Enquanto a viatura deslizava, tranquila, em direção ao espaço habitacional, ela estendia o olhar pelo extenso vale e sonhava poder vir a morar num lugar assim.
Já no hotel, apreciou a arquitetura do Palácio, uma construção do século XVIII, rodeada por jardins de buxo, ao estilo francês, onde a tranquilidade e a natureza se harmonizavam com os estilos românico e gótico/manuelino.
Francisco encarou-a de frente e perguntou…
Hotel Rural Casa dos Viscondes da Varzea, Lamego
“Estás feliz, amor? Gostaste do teu presente?”
Como não? As ideias dele eram sempre maravilhosas.
"Vindo de ti, só podia ser algo fantástico. Gostei muito! Adoro a ruralidade, o espaço, os animais".
Vamos andar a cavalo, não vamos?”
“Claro que sim! Eu ensino-te a montar.
Ou já sabes?” questionou-a, curioso.
"Para ser sincera, só montei uma vez e não foi um cavalo…”
“Então?”
“Foi um burro, quando era miúda. Um velhote, amigo dos meus pais, colocou-me em cima do burro dele e transportou-me desde o rio até casa, juntamente com os sacos de erva para os animais.”
“Sério?” disse com ar de gozo… “Deve ter sido uma aventura e tanto!…”
“Para quem nunca tinha montado nada na vida, foi uma experiência fabulosa. Não duvides!...” e riram os dois a bandas despregadas.
Francisco conduziu-a para a entrada do edifício principal. À porta, surgiu Maria, a dona e administradora daquele empreendimento turístico que fingiu não conhecer nenhum dos recém-chegados.
Muito gentil, cumprimentou os dois e disponibilizou-se de imediato a mostrar-lhes as instalações.
O espaço compunha-se de vários salões, com decoração eclética e muito acolhedores. Inúmeras obras de arte encontravam-se espalhadas por todo o lugar, com especial incidência no edifício rustico, destinado a eventos de maior envergadura, embora todo o local se pudesse considerar um magnífico museu.
Maria conduziu-os, por fim, ao quarto onde iriam pernoitar.
Antes de sair, informou-os do horário a que seria servido o jantar. Sem que Eva se apercebesse, piscou o olho ao rapaz e saiu de mansinho.
Tal como tudo o que tinha apreciado até ali, também o quarto tivera total aprovação. A disposição das camas, os móveis de estilo, os cortinados e toda a decoração, faziam-na remeter para uma ambiência carregada de magia… era como se voltasse no tempo e habitasse, agora, um mundo de glamour, entre reis e rainhas, príncipes e princesas
Estava deveras fascinada, quase parecendo uma menina no meio de um conjunto de brinquedos que há muito cobiçava. Francisco não podia ter tido melhor ideia. O lugar era fantástico e cheio de mistérios para desvendar. Faltava provar a gastronomia regional duriense, de que o namorado tanto falava. Ao ver-se a sós com Eva num espaço tão sedutor, o rapaz fixou nela o olhar e todo o seu ser manifestou um enorme desejo de a namorar e possuir, mas ela estava tão entretida a apreciar os objetos que adornavam a habitação que decidiu esperar. Ela sentiu, sobre si, o olhar penetrante do homem e estancou, franzindo o sobrolho de preocupação. Reconhecia que, por vezes, se alienava um pouco da realidade, mais ainda, quando se encontrava em espaços onde se respirasse Arte. E aquele era um desses lugares.
"Há algum problema?” perguntou.
“Não, querida"!
Estou apenas a observar-te.
Estás tão entusiasmada!…
Gosto de te ver assim…
"Feliz e…”
Ainda não tinha terminado a frase e já ela lhe rodeava o pescoço, num abraço inesperado. Francisco correspondeu ao gesto, apertando-a fortemente para si, enquanto roçava o corpo no dela, dando-lhe a perceber a intensidade do seu desejo. De rosto rubro pela excitação, Eva cedia ao toque do homem que, com as mãos, já lhe desenhava todos os contornos do corpo.
Imprevisivelmente, Francisco parou com as carícias e afastou-se dela. Perplexa e sem entender o porquê do namorado agir assim, permaneceu quieta no meio do quarto. Antes que pensasse mal dele ou se questionasse sobre qualquer falha sua, Francisco pegou-lhe ao colo e sentou-a na cama como se fosse uma criança. Olhou-a fixamente e disse…
“Esperas um pouco?”
Ficou quieta à espera do que quer que fosse que viesse a seguir. Ele abriu a maleta e retirou de dentro dela, o embrulho que continha a lingerie que comprara nessa manhã.
“Mais um presente? Assim, estragas-me com mimos!”
“Bem sabes como gosto de mimar-te, querida!” respondeu agradado ao percebê-la recetível.
“Vá! Abre! Vê se gostas…”
Eva rasgou o embrulho apressadamente e quando viu do que se tratava, sentiu as faces corar. Depois, perguntou num tom jocoso:
“E queres que vista isto?”
“Quero!”
“Está bem! Dá-me só um minuto…” e dirigiu-se ao WC.
Pouco depois, exibia toda a sua sensualidade naquele conjunto de dimensões reduzidas e transparências ousadas.
Francisco pediu-lhe que dançasse para ele.
Ela cedeu e começou a bambolear o corpo em gestos provocadores, enquanto ele a observava, extasiado e divertido.
Num entretanto, estendia-a na cama e enfeitava-lhe o corpo com pétalas de rosas brancas, perfumando-o, simultaneamente, com o odor do seu. …
Quando desceram para jantar já passava das vinte e uma e trinta. Eva exibia um vestido preto, curto e muito justo, que lhe moldava as curvas do corpo, chamando a atenção dos hóspedes que deambulavam pelos salões do antigo edifício.
A música ambiente realçava o romantismo do lugar, recriando uma atmosfera deliciosa e acolhedora.
Eva estava deslumbrada com a panóplia de peças artísticas espalhadas pelos espaços.
A dona da casa exibia charme e simpatia, sorrindo e conversando com os hóspedes, fazendo-os sentir como se estivessem no ambiente familiar.
Para os recém-chegados, Maria preparara a mesa comprida do salão nobre da casa. Um espaço ricamente recheado de pratas, nomeadamente baixelas, castiçais e outras peças singulares de puro encantamento.
Eva reparou no belíssimo arranjo de rosas brancas que repousava por cima da lareira. Pareciam tão frescas e delicadas… como se tivessem sido acabadas de colher e ali colocadas propositadamente para agradá-la.
Teria sido ideia do namorado?
Olhou-o e sorriu. Levantou-se do lugar, deu a volta à grande mesa e foi enlear-se no pescoço dele, agradecida. No canto do olho, uma lágrima solta pela emoção.
“Por favor, querida!"...
"Só quero ver sorrisos, ok?”
Eva aquiesceu e ele disse, sem demora:
“Vamos comer?”
“Seja como dizes!”
…
Sob a luz ténue dos candeeiros de parede e dos belíssimos candelabros que exibiam sombras dançantes em cima da grande mesa, o casal deu início à ceia. A música convidava ao relaxe e à degustação. Havia, pois, que aproveitar o momento.
Da ementa constavam diversas iguarias regionais. Eva estava faminta. Há horas que não comia nada.
Um rapazinho muito jovem, talvez entre os dezoito e os vinte anos, veio servi-los.
“Boa noite!”
disse com delicadeza.
“Já escolheram o que vai ser?”
“Parece tudo muito apetitoso!”
respondeu Eva, com água na boca.
“O que sugere?”
Francisco antecipou-se ao empregado e disse, fixando-a com o olhar…
“Hoje, vamos comer algo diferente.
Confias em mim?”
“Bem… Não me desiludiste até agora, no que respeita a gastronomia… conheço o teu palato apurado. Vou confiar!”
“Não te vais arrepender… Prometo!”
Na verdade, fora sempre ele a escolher os pratos a degustar em todos os almoços e jantares, até ali. Bem podia continuar. O empregado entrou na sala com o couvert que se constituía por pequenos pedaços de bola de salpicão, finíssimas e deliciosas fatias de presunto serrano, rodelas de chouriça de carne, alheira e morcela. Ainda azeitonas pretas, rissóis de camarão, perninhas de caranguejo e croquetes. Salada de polvo e outras coisas mais. Tudo com um aspeto delicioso e muito bem confecionado, regado com vinho tinto Casa da Várzea.
Algum tempo depois, saboreavam uma sopa de agrião selvagem, colhido nos inúmeros tanques que se espalhavam pela quinta.
Enquanto comia, Eva reparou no pequeno veado de prata, à sua frente… era apenas uma das muitas e valiosas peças espalhadas pela extensa mesa que refletia a nobreza do espaço.
Ao observar melhor a sua dimensão, recuou no tempo e imaginou-a rodeada de pessoas exuberantes, num luxuoso almoço ou jantar, encabeçado pelo General Silveira, a comer e a beber e a confraternizar, ou simplesmente, conversando sobre política e estratégias militares para vencer as muitas batalhas que travara, durante e após as Guerras Peninsulares, dentro e fora de Portugal.
Maria vinha de vez em quando à sala, perguntar se as coisas estavam de feição ou se necessitavam de algo mais, sem nunca dar a perceber que conhecia Francisco.
Eva estava maravilhada com a simpatia da senhora…
“É uma pessoa fantástica, não achas?”
Francisco concordou…
“Sim! Pelo menos parece!...”
“Qual será o grau de parentesco entre ela e os antigos viscondes?
Trineta?”
“Talvez por aí, sim!…
Podemos perguntar-lhe, se quiseres…”
“Não é preciso!
Mas sabes como me interesso por estas coisas. Os lugares antigos fascinam-me!”
“Sei, meu amor! Por isso te trouxe cá. Um amigo meu fez aqui a festa de casamento. Foi nessa altura que conheci o lugar. Acreditas, que pensei logo em ti?”
“Sério? Isso significa que existe alguma sintonia entre nós… Que já me conheces minimamente…”
“Alguma, querida? Pensei que tudo, em nós, estivesse em sintonia!…” respondeu, franzindo o sobrolho.
Eva calou-se e decidiu deixar a conversa por ali. O silêncio era a melhor resposta, pois, na verdade, as falhas entre os dois eram tremendas e não era por sua culpa. Achou por bem mudar o rumo da conversa, não fosse estragar a noite.
(…).
In “ROSAS BRANCAS” – Romance, - Chiado Books, 2016
Dulci Ferreira, a autora do texto