11 Nov
11Nov

Não tenho, como tu, o dom da palavra, de expressar com paixão e veemência os pensamentos e as emoções. 

Não consigo expor com tanta eloquência os meus sentires mais profundos ou mesmo as minhas mágoas mais silentes. 

Seria bom poder deitar para fora, falar de mim, das minhas mais visíveis carências, como voltar a perder-me na extensão dos teus abraços ou sentir, uma vez mais, a ternura dos teus olhos pousados na doçura dos meus. 

Os conselhos calados a indicar-me os caminhos que pensavas susterem com mais vigor o peso dos meus passos, quando percebias que o que carregava na alma sempre me induzia em erro nas escolhas das trilhas por onde seguia. 

Lembro das noites quentes e iluminadas pela luz do luar, do aconchego entre os cobertores de lã e das mantas de retalhos, as mãos enrugadas da avó a embalar-nos o sono e os sonhos ou a preparar-nos com amor o pequeno-almoço, antes de irmos para a escola: o leite de cabra fervido e migado com broa de milho que degustávamos com declarado prazer. 

Com alguma nostalgia, a recordo também no pastoreio ou carregando às costas os molhos de lenha para queimar na lareira de chão, mãos calejadas, pés descalços, gretados e doridos de tanto calcarem os espículos da vida. 

Lembro dos dias longos, de verão, de matar a sede na bica da fonte e de ficar a ver a mãe a lavar a roupa no tanque, as mãos rompidas na aspereza do lavadoiro e o sangue quase a jorrar na transparência da pele gasta. 

Lembranças duras, essas, que também me fizeram…  

Vivências puras, essas, que também me moldaram o coração e o espírito, e que me ensinaram a preservar valores e a definir prioridades.  

Ainda assim, havia alegria, paz e harmonia, resiliência, perseverança, tolerância e gratidão. 

E havia muito amor e união familiar.   

Recordo-nos nos bailes de sábado e domingo à tardinha, com o gira-discos a tocar as músicas rock da época. Não admira que fossem as melhores, tratando-se dos anos 80 do século XX, o tempo das grandes criações musicais. Naquela altura, os artistas não cantavam em playback e era real o som que saída das suas guitarras. 

Todos dançavam e se divertiam.  

Ninguém ficava em casa. Havia liberdade e a magia da conquista. Havia convivência e conversas animadas. Havia respeito por todos e por cada um. Havia romance… 

Memoro as noites de luar, nós dois sentados no alpendre, aquela cadeira de baloiço a ranger as ambições de sermos, um dia, o oásis dos nossos jardins proibidos.  

E os beijos que trocávamos, os meus lábios vestidos de carmim a colorir os teus, como cerejas rubras a saltar dentro da boca.  

Que importava, se tudo o que sonhávamos se ficava apenas pela ambição de um dia vir a acontecer?! 

O sonho existia e essa certeza bastava para preencher a lacuna do que pressentíamos, poder vir a ser apenas ilusão. Ainda assim, uma ilusão que ocupava o espaço das lágrimas que, por vezes, se desprendiam da lagoa azul que nos ofuscava o olhar. 

Chorar nunca nos diminuiu, pelo contrário!  

Tornou-nos, sim, muito mais humanos.    

Ser sensível não é sinal de fragilidade, mas próprio de quem tem uma alma nobre e um espírito empático, pleno de bondade.  

Lembras das promessas que fizemos, daquelas que já pagámos e das que ainda temos para efetivar? 

Raramente cobro promessas, mas aquelas sobre as quais estruturámos tantas vidas, aquelas, essenciais ao projeto que nos comprometemos a erigir, essas não as podemos, simplesmente, remeter ao esquecimento. 

Com o direito que nos assiste e o dever com que sempre nos comprometemos, em boa verdade te digo que as teremos de cumprir. 

Sempre ouvi dizer que “promessa é dívida” e eu, com a maior seriedade reafirmo que a ninguém quero ficar a dever. Valha-me assim, a memória para que dos meus compromissos nunca me venha a esquecer.   

Dulcì Ferreira, a autora do texto

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