Naquele fim de tarde, a aldeia estava envolvida numa ténue penumbra. Lentamente, um vulto surge numa esquina.
-Boa noite, meu senhor! Esta menina é a professora da aldeia. Precisamos saber, se haverá alguma alma caridosa que lhe dê um teto para ficar. -disse minha irmã.
O bom homem, muito educadamente, tirou um chapéu que lhe cobria os poucos cabelos brancos e, fazendo uma vénia, cumprimentou-nos. Depois, pegou na minha mala, carregou-a nas costas e pediu que o seguíssemos.
Minha mãe, com voz pesada de tantas lágrimas, ficou em silêncio.
Eu vibrava com o contentamento do senhor, quando repetidas vezes, lhe ouvi dizer:
-Graças a Deus, vamos ter uma senhora professora no primeiro dia de aulas, Graças a Deus e a Santa Marinha, nossa padroeira!
De repente, o bom homem pousou a mala. Estavamos em frente de uma casa pequenina, de pedras negras com o telhado coberto com colmo e uma porta de pinho que se encontrava meia aberta. Nem foi preciso chamar-se por ninguém, porque, de imediato, uma senhora vestida com roupas pretas, escancarou a porta, perguntando:
-Então, António, que precisam de mim? Quem são estas pessoas que me trazes?
Uma dúzia de palavras e a senhora Prazeres, assim, o senhor António a chamou, limpou as mãos ao avental, pegou numa chave e saiu.
Uma rua estreita separava-nos de uma outra casa de dimensões maiores. Abriu a porta de madeira e mandou-nos entrar.
-Senhora professora, esta é a sua casa, se não se importar de ficar comigo e com a minha filha Maria Teresa!
Meu pai impressionado com aquele acolhimento tao benevolente, vindo de pessoas que parecia nada terem, disse baixinho:
- A Lete está muito bem entregue! Temos que ir, porque é noite!...
Minha mãe abraçou-me fortemente e um suspiro saído do seu coração, gemeu no ar frio.
Com alguma tristeza pela separação, vi-os desaparecer debaixo de um céu com estrelas que tocava docemente os montes. A noite estava escura como o breu. O caminho sinuoso que tinham que percorrer era um labirinto para quem não o sabia de cor. Valeu-lhes a luz languescida e dormente de uma pilha com que meu pai se precaveu, quando saimos de casa.
Até mim, chegou o murmúrio da fonte que parecia dizer-me, sacia tua alma, eu estarei sempre aqui para ti!
Eramos três mulheres.
Simplesmente três mulheres numa sala ampla que fazia de sala de costura e quartos.
Uma máquina de costura estava junto à única janela que havia. Todo o outro espaço da sala tinha uma cama de ferro, um penico de plástico por baixo da cama, um lavatório, composto por uma bacia, um balde e um jarro, uma arca e um divã fechado. O mesmo divã que passou todas as noites a ouvir as histórias do meu coração.
Depois de, mãe e filha me mostrarem a sala que seria também o meu quarto, a senhora Prazeres com o lenço preto carregado em cima da testa, fez questão de me “compor“ o estomago antes de nos recolhermos. Para isso, atravessamos a rua e fomos para a cozinha.
Na lareira ardiam umas raízes de urzes. Uma densa nuvem de fumo pairava no ar e infiltrava-se nas palhas que cobriam o telhado enegrecendo ainda mais toda a cozinha. As paredes eram pintadas de negro, tal como o “mosqueteiro” onde se guardava alguma louça e um cesto com pão de milho.
De imediato, meus olhos começaram a arder e grossas lágrimas correram no rosto.
Era o meu primeiro contacto com uma nova realidade que resplandecia prodigiosamente, numa lanterna mortiça.
Era um bom prenúncio de um novo mundo, cheio de amor em tempos sombrios.
Celeste Almeida, a Autora do texto