14 Mar
14Mar

A No início do século VIII, os Mouros invadiram a Península Ibérica, sob o comando de Tarik. 

Seu sonho máximo era conquistar todo o território e aniquilar os Cristãos. 

A guerra, entre estas duas forças, foi prolongada, sangrenta e atroz.  

Na parte norte do concelho de Castro Daire, perto do planalto, onde um dia se dará a batalha final do Apocalipse, viveram-se muitas situações de conflitos.

Tradições muito antigas, perdidas na ronda do tempo, andam de boca em boca, nas boas gentes deste lugar. 

Pessoa que se preze, conhece cada letra, cada palavra, cada narrativa, escritas nas raízes deste chão, com o sangue dos nossos antepassados. 

Há muito, muito tempo, perdeu-se na linha dos séculos, uma linda moura de nome Jarifa. 

Encontrou sua cama num penedo esculpido com a leveza do seu frágil corpo, no lugarejo de nome Mazes.

Por ali ficou, encantada com o uivo do vento vindo do planalto do fim do mundo. Nos seus lamentos escutava a fúria dos sons das guerras entre cristãos e muçulmanos. 

Estremecia de terror.  

Tapava os ouvidos e encolhia-se na rocha fria e dura.  

Até ela, chegavam vozes distantes, frases de desespero. 

A luta era cruenta.  

A sorte nem sempre se mostrava risonha para o seu povo sarraceno, que se afastava cada vez mais dela.  

Jarifa via correr no Rio Vidoeiro o sangue misturado de amor e ódio. A correnteza, no leito, levava para longe as divergências de religião e cultura, que ela tanto queria unificar, mas sem êxito.

A linda rapariga, dotada de algo estranho, não nascera para pelejas. Refugiou-se daquela guerra que não queria sua, coberta com as nuvens do pó misturado com lágrimas dos olhos. Triste e desassossegada, por ali ficou, esperando pela paz daquele chão. 

Durante algum tempo, permaneceu no seu penedo, como donzela encantada, num misto de piedade e receio. 

Certo dia, o sol surgiu quente e acariciou a terra encharcada e ensanguentada daquele lugar de Mazes. 

Jarifa desceu ao povoado num momento silencioso, que se veio a tornar uma hora fatídica.  

Encostados a um muro, quatro pastores cristãos guardavam o rebanho. 

Um suor frio correu-lhe pelo corpo.  

O sol desapareceu no céu azul sem nuvens.  

Tudo à sua volta ficou negro.  

O vento zunia com impiedade, vindo do planalto da batalha final.  

A beleza extraordinária da sarracena, o encanto dos seus gestos e a doçura da voz deixaram, por instantes, os jovens cristãos boquiabertos. 

Mas, num acesso de raiva incontida, aquele encontro tornou-se duro, rápido e severo. 

Jarifa pediu clemência, no abraço forte de suas angustias. 

Por parte dos cristãos, o ódio estava mais aceso. Ferozes e sanguinários, violentaram a esbelta moura de forma barbara. 

A tarde morria aos poucos, aberta no seu coração. No eco dos seus próprios lamentos, recebeu a saudade de uma despedida. 

Respirou fundo.  

Engoliu em seco o sangue que lhe lavava a pele.  

Cerrou os dentes.  

Contraiu os lábios.  

Um nó doloroso apertou-lhe a garganta.  

O olhar perdeu-se no planalto do fim do mundo e Jarifa caiu na sua derradeira batalha. A batalha que nunca quis travar. 

O sol voltou a brilhar.  

Os seus cabelos pareciam um feixe de luz. Sua face tornou-se tão branca, que faria inveja ao mais puro manto de neve.  

Por baixo de sua cabeça apedrejada mortalmente, o sangue deu lugar a uma nascente de água límpida e cristalina.  

Água que correrá para sempre na Fonte da Fontaínha.  

A alma da moura ou da Santinha, como muitos lhe chamam, geme nos suspiros do murmulhar da água.  

Levado nas regas dos campos, para sempre se apagou o nome do lugarejo.

Mazes, já não se chama Jarifa, a moura morta pelas mãos dos cristãos, para sempre ficará perpetuada nesta linda aldeia da serra, defendida pelo uivo do vento vindo do Apocalipse:

Mouramorta.

Autora do vídeo: Luisa Sans

Celesta Almeida: Autora do texto

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