A igreja estava a ser enfeitada a rigor.
Belíssimos e artísticos arranjos florais e um enorme tapete vermelho que se estendia desde a porta principal até ao altar, denunciavam as bodas matrimoniais a realizar nas próximas horas.
Era raro os noivos decidirem casar-se fora dos meses de verão, o que levava à estranheza do ato por parte de algumas pessoas que visitavam o templo naquela manhã de sábado.

Eva adentrou o espaço pela porta lateral, seguida pela mãe.
A ideia era permanecer no lugar durante algum tempo e fazer umas orações em ação de graças por todos os benefícios alcançados nos últimos tempos.
Não apenas sobrevivera ao terrível acidente de automóvel como, logo depois, ao ataque do assaltante que, afinal de contas, não era. Estava viva e não descartava a intervenção de todas as forças positivas à sua recuperação, desde a ciência à religião, passando pela presença e carinho de familiares e amigos. Só a possibilidade de poder abrir os olhos para apreciar a magnificência daquele lugar, já era um Dom Divino.
O monumento, que conhecia como historicamente remoto, fora, segundo ditava a tradição, reedificado no reinado de D. Dinis, o qual, numa das suas passagens por Castro Daire, dera autorização para que, na sua construção, fossem usadas as pedras de um velho castelo que existira por ali.
Consta, porém, que esse “velho castelo” nada mais era que a “antiga muralha do povoado castrejo da Idade do Ferro que dera origem à vila castrense.”
Todavia, e segundo o que tinha lido em alguns registos históricos, a igreja viria a ser completamente reestruturada no século XVIII e as suas obras prolongar-se-iam pelo século XIX.
Fazia tempo, que não tinha contacto com obras artísticas que lhe merecessem especial atenção.
Apreciou os altares laterais, em talha dourada, entalhados por João Correia Monteiro, um entalhador de Ferreirim – Lamego, tal como os fabulosos retábulos da nave, numa gramática da mesma época.
Do lugar onde se sentara, podia apreciar perfeitamente o retábulo das almas, com figuras estranhas, numa iconografia relacionada com a morte.
E lá estavam o Arcanjo São Gabriel, ao centro, e as imagens dos santos a assistir as almas: São Nicolau, São Francisco de Assis, São Bento e São Bernardo.
Alguns historiadores defendiam a possibilidade de ter sido o pintor e arquiteto italiano, Nicolau Nasoni a desenhar o risco de tão elaborada obra, uma vez que, e segundo certas referências, teria trabalhado na decoração das abóbadas da Sé de Lamego por aqueles tempos.
Fixou os caixotões do teto da capela-mor, em talha, com painéis dourados… Depois, o cadeiral rococó – segundo fontes, da autoria de Timóteo Correia Monteiro, possivelmente filho de João – e as pinturas a óleo alusivas à vida do primeiro Papa. O retábulo, de estilo nacional, exibindo as figuras de São Pedro e São Paulo e, finalmente, o admirável porta-círio do século XVIII, em madeira trabalhada, com motivos maioritariamente vegetalistas, onde se destacavam alguns cachos de uvas, folhas e flores, numa alusão simbólica ao pão e ao vinho, corpo e sangue de Cristo, repartidos entre os Apóstolos na Última Ceia.
O esplendor do barroco em claríssima evidência.

Eva foi-se passeando por ali, enquanto a mãe rezava o terço e o homem das flores terminava a ornamentação dos espaços. Eram as únicas pessoas que se encontravam no interior do edifício, àquela hora do dia.
Depois da reza do terço, à Nossa Senhora do Rosário, Carlota procurou a filha com o olhar, mas não a viu.
Eva encontrava-se no exterior a perscrutar a fachada do monumento e a sua torre sineira, de gramática claramente neoclássica, constatando, uma vez mais, que a construção do edifício se prolongara pelo século XIX. A robustez e a simplicidade da construção, as linhas direitas, a colocação das janelas, a porta principal, encimada por um arco redondo e a forma triangular no remate da fachada principal, eram alguns dos pormenores que denunciavam o estilo.

Carlota saiu para fora e mirou o relógio de pulso. Depois, virou-se para a filha e disse:
“Querida, penso que está na hora de irmos embora! O decorador já terminou. São onze e meia. Se a cerimónia for durante a manhã, os convidados devem estar a chegar…”
“Mãe, espere só um pouquinho!” pediu.
Eva voltou a entrar na igreja. Queria apreciar a decoração, agora completamente finalizada. Estava tudo tão bonito! Os altares, os próprios bancos ornados com pequenos ramos de flores...
“Uma atmosfera angelical para um momento único na vida de qualquer mulher!” pensou.
Poderia aspirar a viver algo semelhante, um dia?
As perspetivas não eram muitas e não valiam apena suposições. O futuro a Deus pertencia.
Ao vê-la tão pensativa perante o belíssimo cenário, o homem das flores pegou numa rosa branca e entregou- lha, sorrindo.
Encarou-a de frente e disse…
“Nunca é tarde para o amor! Espero vir a ter o prazer de lhe proporcionar um cenário idêntico, senhorita…”
“Eva!” sussurrou…
“Que não seja apenas pela beleza do acontecimento! Espero que se amem de verdade e sejam felizes para sempre.”
“Eva!” repetiu o decorador. “Belo nome!” e saiu para o exterior, dirigindo-se à viatura que estava estacionada no meio do adro. Ligou o motor e seguiu viagem de imediato.
Os convidados começaram a chegar, entretanto. A cerimónia religiosa devia estar marcada para as doze e trinta.
Eva perguntou à mãe se não se importava que ficassem mais um pouco. Queria ver a noiva. Estaria, com certeza, radiante num longo vestido branco, com véu e grinalda e um maravilhoso bouquet de rosas brancas…
Admirou aquela que o decorador lhe oferecera.
Era tão bonita!
Aproximou-a do nariz para lhe sentir o odor e a frescura. Naquele momento, prometeu a si mesma:
“Se um dia tiver a possibilidade de viver um momento análogo, serão rosas brancas a polvilhar de perfume as minhas mãos!”
Apesar de convicta na sua decisão, não queria pensar excessivamente em coisas que não dependiam apenas de si.
Francisco não era constante e também nunca tinham falado sobre o assunto.
Criar demasiadas expetativas, era fazê-la sonhar e, na sua idade, sonhar o irrealizável seria perda de tempo.

TIn ROSAS BRANCAS – Romance, Chiado Books 2016

Dulci Ferreira, a autora do texto