30 Sep
30Sep
  1. Hoje seria o dia 
    em que de boa vontade partiria 
    rumo à cabana da floresta 
    onde para sempre habitaria. 
    Seria o dia das madrugadas vãs 
    sem a frescura do orvalho 
    e sem o Sol das manhãs. 

    Seria o dia das jarras sem flores 
    e dos jardins despidos de rosas 
    sem brisas polvilhadas de poemas
    de odores e de prosas,
    sem canteiros de sonhos
    e sem paleta de cores. 

    Seria o dia de ficar inerte 
    estendida na sala do teu ser 
    envolta no ruído do silêncio 
    e no barulho das fábricas 
    paradas, caladas… 
    já sem vida nos motores 
    mortas e choradas 
    pelas lágrimas secas 
    dos trabalhadores. 

    Seria o dia 
    em que me deixaria esvaecer 
    na paz da melancolia. 

     Seria o dia de partir rumo ao Sol-posto 
    corpo caído na certeza de um vazio estampado na apatia do rosto. 

    (…) 
  2. Seria o dia 
    em que te esperaria num lamento, 
    sem dor e sem sentimento.

     Seria o dia da dormência
    e da falta de vontade 
    na recusa, já sem forças
    do suportar da saudade.

    Seria o dia de lentos passos
    na corrida, já sem fôlego 
    pra chegar aos teus abraços.

    Seria o dia da inércia da ociosidade
    do corpo pregado à cama sem qualquer voluntariedade.

    Seria o dia claro/ escuro 
    opaco e, porém, iluminado 
    pela luz dos candeeiros da rua 
    em que nem as estrelas
    nem o brilho da Lua 
    se nos mostram 
    em noite chuvosa e nua.

    Seria o dia 
    em que a tua essência me envolveria 
    na densa neblina dos sentidos 
    sem, contudo, deveras te sentir, porque… histórias de verdade desprovidas
    são memórias de mentiras revestidas
    no silêncio dos ruídos. 

    Hoje seria o dia
    Em que discretamente 
    Para longe partiria.


    In “UTOPIAS DO PENSAMENTO – ESTE POEMA TÃO NOSSO”, Chiado Books, 2018

Dulci Ferreira, a autora do poema

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