- Hoje seria o dia
em que de boa vontade partiria
rumo à cabana da floresta
onde para sempre habitaria.
Seria o dia das madrugadas vãs
sem a frescura do orvalho
e sem o Sol das manhãs.
Seria o dia das jarras sem flores
e dos jardins despidos de rosas
sem brisas polvilhadas de poemas
de odores e de prosas,
sem canteiros de sonhos
e sem paleta de cores.
Seria o dia de ficar inerte
estendida na sala do teu ser
envolta no ruído do silêncio
e no barulho das fábricas
paradas, caladas…
já sem vida nos motores
mortas e choradas
pelas lágrimas secas
dos trabalhadores.
Seria o dia
em que me deixaria esvaecer
na paz da melancolia.
Seria o dia de partir rumo ao Sol-posto
corpo caído na certeza de um vazio estampado na apatia do rosto.
(…) - Seria o dia
em que te esperaria num lamento,
sem dor e sem sentimento.
Seria o dia da dormência
e da falta de vontade
na recusa, já sem forças
do suportar da saudade.
Seria o dia de lentos passos
na corrida, já sem fôlego
pra chegar aos teus abraços.
Seria o dia da inércia da ociosidade
do corpo pregado à cama sem qualquer voluntariedade.
Seria o dia claro/ escuro
opaco e, porém, iluminado
pela luz dos candeeiros da rua
em que nem as estrelas
nem o brilho da Lua
se nos mostram
em noite chuvosa e nua.
Seria o dia
em que a tua essência me envolveria
na densa neblina dos sentidos
sem, contudo, deveras te sentir, porque… histórias de verdade desprovidas
são memórias de mentiras revestidas
no silêncio dos ruídos.
Hoje seria o dia
Em que discretamente
Para longe partiria.
In “UTOPIAS DO PENSAMENTO – ESTE POEMA TÃO NOSSO”, Chiado Books, 2018

Dulci Ferreira, a autora do poema