Não me reconheço!
De onde vim e para onde fui?
Fui um Homem do mundo, sem casa e com a sina que a vida me deu.
Nunca reclamei e por montes e vales fui andarilho vadio.
Vivi só na minha esperança, sem nunca ser solitário.
Personagem de histórias fantasmagóricas, fui lenda do homem do saco, cosido com minhas memórias.
Amigo da noite e do dia, da chuva, do sol e da neve, arrastei nos passos um pouco de mim mesmo, abençoado com o Cristo que carregava ao pescoço. Meu corpo amava a liberdade.
Fui pássaro ferido sem árvore nem ninho, mas sempre com a capacidade de voar.
Voei em casas sem telhado, por vezes triste e doente, mas nunca desprezado.
As pedras dos caminhos guardam os meus segredos, contados pelos pés rotos e descalços e pelas lágrimas caídas da alma.
O cordão que segurava minhas calças gastas do uso, tapava minha pele regada pelo suor e lavada com o pó.
Na algibeira guardava o fio da navalha que amarrava os sentimentos com que abraçava todos os pedacinhos do céu.
Mesmo que não comesse, nunca sofri o vazio da fome, pois a oração ia mantendo o meu sustento.
Morrer...nunca desejei, porque em cada esquina, em cada rua, em cada lar...eu tinha amigos e no mais pobre palheiro, encontrava minha enxerga dourada que acolhia meu corpo adormecido.
Beijos molhados com ternura foram pétalas do meu rosto e com meu olhar embalei imensas crianças, à espera de uma malga de caldo, de uma côdea de pão, ou de uma mão cheia de nada.
Quis uma vida diferente?...
Penso que não!...
Tive a vida que Deus me deu e que eu sempre quis.
Fui homem do mundo!
Fui andarilho vadio, à espera que o céu se abrisse para mim!... E abriu...abriu uma porta do meu tamanho!
Grande para muitos, pequena para outros tantos.
Por lá eu entrei e de lá não mais eu saí, para este mundo... que um dia foi todo meu.
Celeste Almeida, a Autora do texto