24 Oct
24Oct

Não me reconheço! 

De onde vim e para onde fui? 

Fui um Homem do mundo, sem casa e com a sina que a vida me deu.

Nunca reclamei e por montes e vales fui andarilho vadio. 

Vivi só na minha esperança, sem nunca ser solitário. 

Personagem de histórias fantasmagóricas, fui lenda do homem do saco, cosido com minhas memórias. 

Amigo da noite e do dia, da chuva, do sol e da neve, arrastei nos passos um pouco de mim mesmo, abençoado com o Cristo que carregava ao pescoço. Meu corpo amava a liberdade. 

Fui pássaro ferido sem árvore nem ninho, mas sempre com a capacidade de voar. 

Voei em casas sem telhado, por vezes triste e doente, mas nunca desprezado. 

As pedras dos caminhos guardam os meus segredos, contados pelos pés rotos e descalços e pelas lágrimas caídas da alma. 

O cordão que segurava minhas calças gastas do uso, tapava minha pele regada pelo suor e lavada com o pó. 

Na algibeira guardava o fio da navalha que amarrava os sentimentos com que abraçava todos os pedacinhos do céu. 

Mesmo que não comesse, nunca sofri o vazio da fome, pois a oração ia mantendo o meu sustento.

Morrer...nunca desejei, porque em cada esquina, em cada rua, em cada lar...eu tinha amigos e no mais pobre palheiro, encontrava minha enxerga dourada que acolhia meu corpo adormecido. 

Beijos molhados com ternura foram pétalas do meu rosto e com meu olhar embalei imensas crianças, à espera de uma malga de caldo, de uma côdea de pão, ou de uma mão cheia de nada. 

Quis uma vida diferente?... 

Penso que não!... 

Tive a vida que Deus me deu e que eu sempre quis. 

Fui homem do mundo! 

Fui andarilho vadio, à espera que o céu se abrisse para mim!... E abriu...abriu uma porta do meu tamanho! 

Grande para muitos, pequena para outros tantos. 

Por lá eu entrei e de lá não mais eu saí, para este mundo... que um dia foi todo meu. 

(Em memória do Senhor Manuel da Capucha, que me deu o prazer de entrevistar)

Celeste Almeida, a Autora do texto

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