15 Apr
15Apr

Devido aos problemas existenciais e à dificuldade de em muitas situações nos suportarem e nos suportarmos - porque inadaptados neste universo incompreendido e incompreensível que somos nós mesmos - questiono-me sobre a realidade do ser humano, sobre a veracidade dos sentimentos e sobre a autenticidade dos pensamentos, no que respeita à vida e às inúmeras possibilidades de Ser. 

Será essa ‘dualidade’ que nos faz sentir ora plenos, ora vazios, num misto de amplitude e frustração?    

Afinal, quem somos ou o que somos na realidade?    

Foram muitos os escritores que ao longo da história da Literatura focaram a sua atenção na ‘personalidade’ e no ‘comportamento’ dos indivíduos e, quiçá, neles próprios em situações peculiares do seu quotidiano, levando-os a definir o Ser Humano como “duplo”. 

Duplicidade” ou “dualidade”, uma espécie de dois em um, talvez o que certos escritores definiram como um misto de "corpo/consciência”: o sujeito que demonstra ser um, mas que se revela outro através de atos estranhos em certos períodos do seu dia, por vezes, perdendo a própria razão, como se por baixo da carapaça que é a sua aparência física, se escondam outras maneiras de ser que alternam entre a sensibilidade e a obscuridade dos pensamentos e das atitudes, demonstrando momentos de grande instabilidade física e emocional, na maioria das vezes revelada de maneira inconsciente e inconsequente. 

Para se manifestar perante uma sociedade que não o apraz e uma realidade que não o satisfaz, o homem usa o seu lado artístico, criativo e crítico num misto de denúncia e de libertação.  

Denúncia - do que se esconde para além das aparências. 

De libertação - talvez de um estado de espírito reprimido pela incapacidade de Ser em si próprio e pela necessidade do bem-estar coletivo. 

O homem é duplo, criação afetiva de si mesmo.  

A vida, uma busca constante pelo preenchimento da alma.  

A história, o testemunho dessa busca: não apenas impresso nas páginas da literatura mundial, mas, também, nos corações dos mais afamados e sentimentais autores de todos os tempos. 

A literatura é a arte de criar obras que podem atingir uma elevada expressão estética, como no caso da prosa poética ou da poesia.  

Sempre de mão dada com as outras artes, permite o registo de situações mais e menos relevantes, tal como a possibilidade de exteriorizar os pensamentos, ajudando a uma melhor compreensão do outro e de nós mesmos. 

Mas a busca por um maior conhecimento e entendimento do universo, que é cada um em si, permanece e vai muito além.  

Precisamos de descortinar a essência do “Eu" lírico, a natureza do turbilhão de sentimentos que, por vezes, em nós despertam, provocando estados de espírito que transcendem o entendimento. 

A poesia é o extravasar desses estados de alma, em que "existir", simplesmente não nos satisfaz nem nos completa. Há sempre um vazio por preencher, uma ausência inexplicável, uma incompletude necessária à busca constante por uma resolução que nunca chega a acontecer. 

Daí a caminhada da vida:  

Bela, dolorosa, efémera, mas sempre a exigir de nós. 

Registar as nossas ânsias na folha de papel é minimizar o aperto da angústia no peito. 

Todavia, não chega.  

O vazio e a incompletude persistem e teimam em ficar. Transcendem-nos. Nem a literatura nos vale em muitos momentos da existência. 

É como disse um dia um dos mais fragmentados, pluralistas e multifacetados poetas de todos os tempos: 

«A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta.»  (Fernando Pessoa). 


In "Utopias do Pensamento", Vol. 1 - Entre o sonho e a realidade, 2018. (Texto editado).

Dulci Ferreira, a autora do texto

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