Mais um amanhecer!
Mais um dia para viver.
Caminhar, um dos meus hábitos, é uma forma de ir buscar a energia dos céus.
Há sempre uma descoberta; há sempre uma benção que encontro nas pedras do meu caminho.
-Bom dia, dona Cidália!
Que saudades eu tenho das desfolhadas nas eiras!
-Bom dia, professora!
Deus a guie na sua caminhada!
Uma paragem. Um golo de água. Dois dedos de conversa.
-Dona Cidália, sabe que eu cheguei a ir a muitas desfolhadas? Olhe, recordo-me de uma que só a morte ma leva!
Foi no ano de 1975.
Tinha sido eu colocada em Ramires, uma aldeia da nossa serra do Montemuro, que pertence ao concelho de Cinfães.
Poucos dias depois, houve uma desfolhada, lá num palheiro. Claro que eu também fui, pois toda a aldeia se lá juntou.
Uns para desfolhar, outros para ver e ainda outros para fazerem das suas! E que suas! Imagine, dona Cidália, que ainda a desfolhada mal tinha começado, apareceram lá dois mascarados!
Viraram os cestos das espigas, espalhavam o monte do milho...e um deles, tocou-me tirando-me da mão uma espiga de milho rei que alguém me tinha dado.
Eu, assustei-me, pois onde já se viu, mascarados numa desfolhada?
Sei que fugi e fui procurar refúgio, junto de um grupo de jovens que conversavam animadamente na eira.
-Antigamente, professora, as desfolhadas eram muito divertidas!
Agora tudo morreu!
Até o milho é descascado em pé como pode ver!
Já ninguém o corta!
Assim, dá menos trabalho!
Antes, era cortado, depois acartado para as eiras ou para o meio do campo e lá se faziam as desfolhadas!
Que reinação, professora!
Que reinação!
-Dona Cidália, mas diga-me, qual a razão de mudança tão brusca?
Olhe este seu campo, tão grande, e só a senhora aqui anda!
Irá precisar de muitas manhãs para o levar ao cabo!
Não era mais fácil, cortar, juntar e depois fazerem uma desfolhada com as pessoas da aldeia?
-Sim, era mais fácil...mas agora não preciso das canas!
Já não tenho animais para as comerem!
Depois de desfolhado, a máquina vem aqui e esmaga tudo...olhe fica para estrumar a terra...
-Dona Cidália, mas o que lhe vejo na mão, não é uma espiga..
-Isto é a barba do milho, professora!
Todos os anos guardo uma boa quantidade dela. É muito boa para curar infeções da bexiga...muito boa... faz-se chá e bebe-se...como vê é muito simples!
- E qual a quantidade de barba de milho e de água?
- Ah...não é preciso quantidades!
Deus guia-lhe a mão!
Ele sabe as quantidades, não se preocupe!..
-Mas, também, existe outro chá que é tão bom quanto este para curar as infeções.
É o chá do pé da cereja!
Para o fazer, deite três colheres de sopa de pés num litro de água. Este já tem medida, não precisa incomodar o nosso Deus!...
-Tenho uma dúvida! O pé das cerejas é seco ou verde?
-Tem que ser seco!
Há muita gente que o seca ao sol, mas não devia. Para melhor fazer, deve ser seco à sombra...para o sol não lhe roubar as "vitaminas"...
Encontros ...que fazem de mim, uma pessoa mais rica, pois o Povo castrense, comigo partilha os seus saberes que em nenhuma enciclopédia encontro.
Celeste Almeida, a autora do texto