18 Jan
18Jan

Minha querida Madrinha: 

Hoje, escrevo-lhe com o meu coração negro e com as lágrimas que choro nesta amargura da guerra. 

Saímos pela manhã, para fazermos reconhecimento da área a norte do aquartelamento. Subimos no unimog, apertando a metralhadora que nos podia salvar a vida. As rodas pisavam os trilhos cobertos de capim e eu com soldados do meu Batalhão rezávamos em silêncio, pedindo proteção à Virgem.

 Inesperadamente, ouvimos o estrondo provocado pelo rebentamento de uma mina.

Cada um por si, saltámos do veículo e escondemo-nos no meio do mato. 

Permanecemos camuflados na vegetação durante alguns minutos a aguardar o terror seguinte. 

Preparávamo-nos para a retirada quando surgiram tiros vindos de várias direções.

 Vi as balas caírem a meus pés e o António, o Cabo maqueiro, foi atingido numa perna, por vários projéteis. 

Corremos para ele e com os cintos que seguravam as munições, fizemos-lhe um torniquete na esperança de lhe estancarmos a hemorrogia. 

Tudo em vão.  

Com toda a raiva que invadiu nossa alma, ripostamos aos tiros, naquele palco de morte. 

Os terroristas fugiram e nossa preocupação foi trazer o António até à caserna. 

O médico e o enfermeiro tudo fizeram para o salvar, mas o sangue que ele tinha perdido secaram-lhe as veias. Morreu nos meus braços, sussurrando:

-Companheiro, diz à minha esposa e meu filho que os amo muito e os levo para a eternidade. Diz-lhe, também, que se orgulhem de mim, pois morri pela Pátria. Um dia, esta maldita guerra vai acabar...e o nó do fio que o prendia à vida, desfez-se...  

Sei que na dor agonizante, outras palavras ficaram sepultadas, mas também sei que este Herói, como tantos outros, ficará para a História, se é que um dia, vai ser contada por alguém! 

Aguardo, com ansiedade sua resposta a este meu aerograma.  

São suas missivas que adoçam alguns minutos da minha triste vida com sua leitura e inundam de fé esta minha farda. 

Meu coração vive na escuridão, pois nunca sei o dia de amanhã. 

As emboscadas espreitam em todo o terreno. 

Hoje, foi o António, amanhã, serei eu. 

Peça, minha querida Madrinha a Deus por mim e se puder, peça também para que mais nenhuma vida seja ceifada e todos possamos acabar nossa missão com saúde.

Já chega de mortes.  

Já chega de estropiações físicas e psicológicas.  

O papel está a acabar. 

Termino, enviando-lhe o meu respeitoso abraço e agradecendo-lhe pela Madrinha Coragem que é. 

(carta guardada há longos anos, no cofre das minhas memórias)

Celeste Almeida:  Autora do Texto

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