(cantando Walt Whitman)
Subiu à montanha e cantou
Um canto de si mesmo
Um sopro ao ouvido do seu chão
Um sussurro de partilha
Um leito de rio fluindo nas suas entranhas.
Cantou aos pássaros o que viu e ouviu
Migrantes de cenários fugidios
Que se procuram
Quando outros já não servem para nidificar.
Lugares sem paz
Que se obrigaram a abandonar.
Desceu à cidade e a cantou também
Como ao brilho das luzes
E à possibilidade de ser mais além…
Ali, onde tudo se ganha e se perde
Onde a ousadia se atreve.
Cantou o sol e a alegria
E todos os astros que o universo contém
A noite e o dia de mãos dadas
Na paz e na harmonia desejada.
Cantou a alegria de ser irmão
E a exultação de poder dar de si
E assim, sentir o calor de ser união.
Depois, chorou o medo e a dor
De já nada ser ou ter
E de se perder na tristeza do que se não faz
Por entardecer, por já não ser amor e paz.
Chorou o acontecer da quimera
Que não queria ser
Mas que era, que era…
Porém, não o sonho
Nem o verde germinar da hera.
Chorou, rezou e cantou a si mesmo
Em intermináveis horas de espera
Até na dor encontrar
Os braços que lhe preparavam a festa.
Eram fiéis e incansáveis
Ternos e adoráveis.
E foi...
Sabendo que, se possível
De novo regressaria aos mesmos abraços
E ao leito de um calor e aroma
Que tão bem reconhecia.
Cantou a partida que sabia certa
Com bilhete apenas de ida.
Por lá encontraria o amante sincero
A porta sempre aberta
A eterna melodia da sua despedida.
Cantou e chorou a certeza
Na chama do lume aceso.
Cantou e chorou todas as coisas
E se reencontrou, por fim
No canto de si mesmo.
Dulci Ferreira, a autora do poemaD