Um pouco sobressaltada, apertei a mão da minha mãe com tanta força, que ela soltou um ai.
Ramires...Ramires..
Afundei-me nos meus pensamentos, fechei os olhos e suspirei profundamente:
Minha mãe olhou para mim e viu meu rosto pálido. Inclinou-se, ternamente e beijou minha face, mais parecendo uma mãe embalando a cria que chora no colo agarrada à mama sem leite.
O carro seguia viagem e a Serra do Montemuro subia dentro de mim. Lentamente, eu ia descortinando as especificidades daquela região cujas características a faziam tão diferente da minha.
No misticismo daquele lugar, havia uma força que se impunha e me ía conquistando, chamando-me sua.
Um sentimento de pertença mudava ali a história da minha vida de forma inabalável.
Eu deixei-me levar e entreguei o meu espírito nas mãos do Universo, aceitando de bom grado, os privilégios de uma filha adotiva.
Um sentimento de posse tocava melodias alegres, recitadas nas colinas coroadas de mica, feldspato e quartzo.
Eu abençoava aquele dia... o dia que me predizia o quanto a minha vida iria mudar.
Esfomeada, desejosa de desfrutar da generosidade daquelas gentes e daquele chão, senti vontade de sair do carro e correr na soberania da serra.
Num descampado, bem no alto da serra, no lugar chamado Portas do Montemuro, minha irmã parou o carro. A vontade de correr naquela liberdade era tanta, que nem me apercebi de uma muralha cercando uma pequena ermida.
Meus olhos contemplavam uma paisagem tão artistica que mais parecia uma tela pintada por Deus.
A harmonia cromática e todos os pormenores daquela matriz identitária eram de uma beleza ímpar capaz de prender todo e qualquer forasteiro.
De mãos dadas com a natureza selvagem e com os penedos enormes engrinaldados com flores silvestres, deixei–me ir, empurrada pelo vento intenso que me fustigava a pele do rosto.
Já um pouco afastada dos meus pais e irmã que tinham entrado na muralha para irem rezar ao Senhor visível através de um postigo, ouço a musicalidade de uns chocalhos que se aproximava cada vez mais. A caminhar num ritmo lento, deslumbro um grande rebanho. Um rebanho que me fez lembrar aqueles que todos os anos passavam na minha rua para irem pastar na serra do Montemuro, a serra que eu nunca imaginei conhecer e, que iria mudar a minha vida. Só lhes faltava os adornos nos cornos dos chibos e os chocalhos a tocarem no chão.
Celeste Almeida: Autora do Texto