21 Nov
21Nov

Sendo eu uma amante da cultura popular, hoje, é imprescindível falar dos usos e costumes que vivenciei e adquiri, alusivos ao dia de S. Martinho, o padroeiro dos mendigos, dos soldados, dos alfaiates, dos peleteiros, dos cavaleiros, e dos produtores de vinho.

São Martinho

Todos sabemos, que o dia 11 de novembro é dedicado a São Martinho, o santo dos bons bebedores, pois é nesta época do ano que se faz a prova do vinho novo acompanhado de castanhas assadas. 

Há que respeitar os ditos populares, começando por estes tão conhecidos: 

Em dia de S. Martinho Faz magusto e prova o vinho  

Em dia de S. Martinho Lume, castanhas e vinho  

S. Martinho prova o teu vinho  

Ao fim do ano não te faz dano  

Recordo-me, em conversas tidas no século passado, com algumas pessoas idosas, estas falarem-me da Procissão dos Bêbados que se fazia neste dia. Esta procissão, em homenagem a uma santa inventada, de nome Bebiana, a protetora dos Bêbados, servia como pretexto, para os homens e os rapazes, poderem beber o néctar do deus Baco nas casas das pessoas que o tivessem.

Mas, como era feita esta procissão de carisma profano? Os homens arranjavam uma padiola e transportavam em cima da padiola uma pipa vazia que representava, precisamente, a Bebiana. Percorriam a aldeia ao ritmo de algumas cantigas improvisadas e paravam onde sentissem a presença do vinho. Ninguém negava, aos que fossem na procissão, uns copitos de vinho, ou, até mesmo, de jeropiga. Se esta tradição é desconhecida para as gerações atuais, tal como era para mim, surpreendeu-me a sua origem.

Segundo as poucas pessoas que me relataram no século vinte, este costume há muito desaparecido, foi trazido pelos pastores transumantes vindos da serra da Estrela.  

Foram eles, que no cruzamento de saberes, disseram aos pastores do Montemuro, que fizessem a Procissão dos Bêbados pelo S. Martinho para poderem beber alguns copitos.  

Durou pouco, este ritual, porque, eram quase inexistentes as casas que tivessem um pipo de vinho! No entanto, copito aqui, copito ali, no final da procissão, acredito que a " Santa" Bebiana teria que segurar algum para não cair! 

Uma tradição que o tempo há muito levou, mas durou o suficiente, para alguns idosos a terem na memória. 

O Senhor Sidónio de Ester, há muito falecido, conhecido pelo sardinheiro dos pés descalços, relatou-me este costume algumas vezes, aquando foi meu aluno no curso de adultos, um aluno com mais de oitenta anos! 

Confidenciou-me, que em rapazito, chegou a beber alguns copitos à custa deste uso.  

-Era a miséria que nos obrigava a fazer pela vida! Calcorreei esta serra, uma vida inteira a vender sardinha e nada juntei! Ganhei pele de sapo nos meus pezinhos, de tanto subir e descer os montes, descalço, porque nem uns socos tinha! - dizia ele, com alguma amargura. O que o tempo não levou, foi a magia dos magustos feitos nas ruas. As castanhas são assadas com caruma nos terreiros ou nos adros das capelinhas e depois de assadas, as pessoas, em comunhão, fazem uma roda à volta delas. A vontade de comerem este fruto é tanta, que durante alguns minutos, só se veem mãos a esgravatar as cinzas à busca das castanhas mais assadinhas.

E, porque magusto sem farruscas não é magusto, esfregam -se as mãos negras nos rostos das pessoas deixando-as todas pintadas de negro, gestos que provocam grande algazarra entre todos. 

Algo que talvez poucos saibam, é que o tradicional magusto, é uma tradição mais antiga que a data consagrada a este santo. 

Os magustos tradicionais começavam no dia 28 de outubro, dia dedicado a S. Simão e duravam até ao dia 11 de novembro.

São Simão

No dia de São Simão, diziam -se os seguintes versos: 

No dia de São Simão Só não assa castanhas quem não é cristão. 

Sejam quais forem as origens históricas das celebridades deste dia, sejam elas religiosas ou profanas, o nosso povo suplica ao S. Martinho que, neste dia, beba o vinho todo, mas que deixe as águas para o moinho e: 

Traga o Verão de S. Martinho para poderem semear as favas e o cebolinho.  

E, nunca se esqueça, de também comer castanhas no dia de Todos os Santos, caso contrário, carrega o burro todo o ano. 

Não as tem? 

Peça ao vizinho e além de umas castanhinhas pode levar um Pão por Deus ou um Santolo. 

Diz o nosso povo, que nada é tão abençoado como dividir o que tem com o vizinho, ensinamento que prevalece nas nossas gentes montemuranas.

Celeste Almeida, a autora do texto

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