Com o rosto manchado pelo branco, suspenso num emaranhado de fios de suor, acelerou o passo vestido de sensações de abandono e solidão.
Capucha na cabeça, não fosse o diabo tecê-las e apanhar uma mazela, fez chorar as pedras da calçada.
Pelo caminho, vinda de deitar a água, encontrou a comadre Belmira.
-Bom dia comadre Belmira, como está vocemessê?
-Venha com Deus e Nossa Senhora, tia Maria!
Então a que horas chegará, amanhã, a nossa gente?!
-Pelo que me disse a Dona. Lurdes, o Manel ligou para o posto público, dizendo que chegariam para a ceia!
-Que Deus Nosso Senhor os guie para que nada de ruim lhes aconteça!
Ouvi dizer que a Suíça, fica lá nos fins do mundo!
-Ó comadre Belmira, para onde nossos filhos foram obrigados a ir, à procura do pão nosso de cada dia! Aqui, nesta maldita terra, já nada há! Foi-se tudo, foi-se tudo com o tempo! Estas modernices roubaram nossa paz e nossa gente! Vou-me lá que tenho a massa a levedar! Até logo e vá com Deus!
Acelerando as passadas para recuperar o perdido, correu contra o vento, para o forno.
Rapidamente lhe encheu a barriga de ramos de pinheiros, tão escuros como os corvos que esvoaçavam na torre da igreja e lhe punham o coração num cesto!
Da garganta do forno sopravam labaredas, que ardiam nas tragédias da sua vida.
A sua alma nua envolta naquelas brumas de fogo, cicatrizou, por momentos, as feridas que a vida tatuou na sua memória.
Naquele infinito finito, tudo ardeu!
Ardeu o ar,
ardeu o chão
e ardeu o sangue nas suas veias secas pelos desgostos!
O forno já deveria ter chegado à temperatura ideal, mas a tia Maria precisava tirar a prova dos nove!
Pegou numa folha de jornal que apanhou na taberna da tia Jacinta e colocou-a à soleira do forno.
A folha imediatamente foi engolida pela boca ardente e em cinzas vivas se tornou! Repetiu a operação com uma folha de caldo, que tinha levado da horta.
A folha ficou mais enrugada que a pele do seu rosto!
-O forno está no ponto!
A massa espera-me a sorrir...
Celeste Almeida, a autora do texto