08 Aug
08Aug

Com o rosto manchado pelo branco, suspenso num emaranhado de fios de suor, acelerou o passo vestido de sensações de abandono e solidão.

Capucha na cabeça, não fosse o diabo tecê-las e apanhar uma mazela, fez chorar as pedras da calçada. 

Pelo caminho, vinda de deitar a água, encontrou a comadre Belmira. 

-Bom dia comadre Belmira, como está vocemessê? 

-Venha com Deus e Nossa Senhora, tia Maria! 

Então a que horas chegará, amanhã, a nossa gente?! 

-Pelo que me disse a Dona. Lurdes, o Manel ligou para o posto público, dizendo que chegariam para a ceia! 

-Que Deus Nosso Senhor os guie para que nada de ruim lhes aconteça!

 Ouvi dizer que a Suíça, fica lá nos fins do mundo! 

-Ó comadre Belmira, para onde nossos filhos foram obrigados a ir, à procura do pão nosso de cada dia! Aqui, nesta maldita terra, já nada há! Foi-se tudo, foi-se tudo com o tempo! Estas modernices roubaram nossa paz e nossa gente! Vou-me lá que tenho a massa a levedar! Até logo e vá com Deus! 


Acelerando as passadas para recuperar o perdido, correu contra o vento, para o forno. 

Rapidamente lhe encheu a barriga de ramos de pinheiros, tão escuros como os corvos que esvoaçavam na torre da igreja e lhe punham o coração num cesto! 

Da garganta do forno sopravam labaredas, que ardiam nas tragédias da sua vida.



A sua alma nua envolta naquelas brumas de fogo, cicatrizou, por momentos, as feridas que a vida tatuou na sua memória. 

Naquele infinito finito, tudo ardeu! 

Ardeu o ar, 

ardeu o chão 

e ardeu o sangue nas suas veias secas pelos desgostos! 

O forno já deveria ter chegado à temperatura ideal, mas a tia Maria precisava tirar a prova dos nove! 

Pegou numa folha de jornal que apanhou na taberna da tia Jacinta e colocou-a à soleira do forno. 

A folha imediatamente foi engolida pela boca ardente e em cinzas vivas se tornou! Repetiu a operação com uma folha de caldo, que tinha levado da horta. 

A folha ficou mais enrugada que a pele do seu rosto! 

-O forno está no ponto! 

A massa espera-me a sorrir...

Celeste Almeida, a autora do texto

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.