- Dia de Todos os Santos
Ver morrer as nossas tradições tão significativas, e ver surgir outras que nada têm a ver com a nossa essência, é renegarmos a nossa identidade.
Será que, ontem ou hoje, alguma criança, nos bateu à porta a pedir o Pão por Deus?
Duvido!
Foram vistas, sim, crianças, vestidas de bruxas, pedirem doçura ou travessura, um ritual que nada tem a ver, com o nosso acervo patrimonial. É de lamentar, que se recriem ou se importem usos de outros países e se destrua parte do nosso espólio imaterial.
O que é o pão por Deus?
Talvez, muitos desconheçam este legado, fruto da catástrofe destruidora do século XVIII.
Em Portugal, no dia de Todos-os-Santos, 1º de Novembro as crianças saíam à rua para pedirem o pão-por-Deus de porta em porta.
Sozinhas, para não terem que dividir, ou em grupo, no peditório recitavam versos e recebiam como oferenda: pão, broas, bolos, romãs e frutos secos, nozes, amêndoas, ou castanhas que colocavam dentro dos seus sacos de pano, de retalhos ou de borlas.
Era também costume em algumas regiões do país, os padrinhos oferecerem um bolo chamado o Santoro aos afilhados.
Em algumas povoações chama-se a este dia o ‘Dia dos Bolinhos’, ao invés do dia do Pão por Deus. São vários os versos para pedir o Pão por Deus, ou os Bolinhos.
Deixo-vos, exemplos:
Bolinhos e bolinhós Para mim e para vós, Para dar aos finados Que estão mortos e enterrados À bela, bela cruz Truz, Truz! A senhora que está lá dentro Sentada num banquinho Faz favor de s'alevantar Para vir dar um tostãozinho.
Se dão doces: Esta casa cheira a broa, Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho, Aqui mora um santinho.
Se não dão doces: Esta casa cheira a alho Aqui mora um espantalho.
Esta casa cheira a unto Aqui mora algum defunto Pão, pão por Deus à mangarola, encham-me o saco, e vou-me embora.
A quem lhes recusa o pão-por-deus roga-se uma praga em verso:
O gorgulho gorgulhote, lhe dê no pote, e lhe não deixe, farelo nem farelote.
Com o passar do Tempo, o Pão-por-Deus sofreu algumas alterações.
Os meninos que batiam de porta em porta, podiam receber dinheiro, rebuçados ou chocolates.
Esta tradição nasceu nos arredores de Lisboa, após o 1 de Novembro de 1755.
As crianças não só pediam para comer, como também relembravam as vítimas, aquando do terramoto de Lisboa. Sabemos que, a tragédia matou muitas pessoas e destruiu todos os bens a muitos dos sobreviventes.
Para diminuírem o sofrimento e as carências, viram-se obrigados, a mendigar de porta em porta, nos lugares em que o sismo não tinha causado danos.
As criancinhas percorriam longas distâncias.
A esta tradição deu-se o nome de pedir o "pão-por-Deus.
Que bom seria, que se voltassem a ver as crianças a pedir o "pão-por-Deus" , preservando, assim, a nossa tradição e continuando a "escrever" a nossa história!
Dia das bruxas?
Desde quando um legado dos nossos antepassados?
Jamais!"
Celeste Almeida, a autora do texto