Esgueirei-me pela estrada do tempo sem vislumbrar "aquela" pintura.
O que será feito do quadro?
Provavelmente não existe como obra física, apenas fruto da minha imaginação.
Os artistas de tantas áreas diferentes deixam sempre a sua marca, a sua mensagem, através do que elaboram. Nas artes do meu tempo decorrido, nunca consegui criar "aquela" pintura, tudo tão intenso, tudo é tão calmo agora. Para viver os dois extremos é necessário ser-se vulcão e apenas cratera sem erupção.
Pintar isto seria boa partilha, mas não tenho como.
A minha paleta queixa-se de pausa, as tintas sem uso vão secando e as cerdas dos pincéis vão perdendo o toque macio.
Contudo, nada na minha escrita é sinónimo de desistência : visto as palavras com cores bonitas, enfeitando o palco da existência, tratando-se de realidades. "Aquela" pintura é traquina passeando-se entre o ontem e o hoje, desafiando-me constantemente.
Que significado tem a vida sem desafios?
Sem a teimosia do querer, sem a tela para contar, sem o livro para continuar a descrever?
Dia e noite são a queda da inércia, a luta para cortar a meta vitoriosamente, o foco do raciocínio, a vontade de saber-se capaz. Seremos então a flor nascida do cacto, desse útero improvável.
Tudo na vida tem o seu espaço, canteiros de hortas ou jardins, não importa quais, pois o que se pretende é plantar...
Nem que seja "aquela" pintura Imaginária.
Maria Dulce Araujo, a autora do texto