01 Aug
01Aug

Ande Senhora, ande 

Isolada da vida, Ritinha deprimida de sensações, sentou-se na sua melancolia, olhando a noite vergada nos ramos da oliveira. 

Era uma noite diferente!  

Tão diferente, que as lágrimas nascentes dos seus olhos, tinham o sabor doce da fé que caminhava naquela melodia simples, ouvida nos pinheirais!

Na lareira apagada, com os pés descalços, no frio do fim do dia, sentia uma mágoa, embrulhada num crivo de esperanças.  

Sua alma vestida de pobreza e de fome, refletia na menina dos olhos, uma face pálida, escondida no negrume das paredes.  

Seu coração aconchegava-se na blusa rota da sua avó.  

A avó Joaquina, a sua querida avó Joaquina!..

A única família que lhe restou, naquele acidente brutal que ceifou o futuro dos seus progenitores e do seu avô!... 

Regressavam de uma excursão ao Santuário de Fátima, depois de cumprirem uma promessa na capelinha das Aparições! ... 

Calçado de mistérios, o vento guardava os gritos cegos de dor, despejados no chão adormecido das frias pedras de mármore. 

Ritinha vivia numa angustia insuportável que lhe atava os pés! 

-Senhora avó, hoje é noite de Natal, não é?  

-É, minha querida neta!  

Uma noite ainda mais triste que qualquer outra! Nada tenho para te dar! Só te posso oferecer o que guardo dentro de mim! 

A vaca que tinhamos no curral, acabou por morrer da maleita! Ficámos sem o único sustento que poderia cobrir o fundo daquela panela da cor do meu luto! 

Sei que a espada da fome te trespassa a barriga, minha neta, mas minhas pernas recusam-se a andar e as mãos, só o nada te podem dar! 

Que vai ser de nós, minha neta?! 

Que vai ser de nós?!... 

-Não chore, senhora avó! Repare bem para mim! Meu corpo está cheio de forças do infinito!... 

-Tens um coração de ouro! Mas, minha dor é tão velha, que a terra a irá sufocar no pó dos prados e dos vales!... 

Na sombra da oliveira, meu coração chora as horas, consolado pelo teu sorriso, albergue da vida fresca que te pertence!...Queria sentir-me alegre, ao menos hoje nesta noite de Natal, mas a madrugada vai nascer nos sentimentos fúnebres que carrego comigo! 

Que vai ser de ti, que vai ser de ti, quando eu ...  

-Não, avózinha, não!  

Esta noite a serra está a cantar. Vai abrir as portas das rochas e deixar entrar todos os cânticos vindos de longe!... 

Enquanto Ritinha falava num prazer fingidor, a avó segurava a cruz do mundo nas mãos e encostava a saudade na ténue luz da candeia que iluminava a escuridão, daquelas pedras que choravam, ainda a presença da morte! 

No céu as estrelas escondiam-se nos farrapos finos das nuvens. À volta da lareira via-se um cenário de miséria e desamparo. 

Ritinha pegou na mão da avó, arrumou-a no seu colo virado ao avesso, e com voz terna sussurrou: 

-Escute, avozinha! Escute!  

Os cânticos calaram-se!... 

Agora rezam as nuvens nas contas do rosário que a senhora avó, beija nos dedos!  

Olhe...há silêncio no céu!  

Aquela estrela brilha e ilumina toda a Terra!... 

Os sinos agradecem à Virgem!  

Ande, senhora avó...ande...vamos orar ao Menino!  

Vamos à Missa do Galo..a igreja espera por nós!  

Venha, senhora avó!  

Venha, que eu ajudo-a!... 

Já é dia de Natal...e eu renasci para si, senhora avó!

Celeste Almeida, a autora do texto

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.