Lá fora o frio era demolidor. A lenha do carvalho expandia luz e as labaredas subiam aos céus em forma de anjos. No interior da igreja, ouvia-se o arrastar dos passos em direção ao altar. O senhor padre pegava ao colo o Menino Jesus embalado por cânticos jubilosos, defumados no incenso exalado pelas palhinhas de feno.
Era tempo de paz, tempo de esperança, tempo de amor.
Maria Da Luz sentia a lenha queimar-lhe os pés. Já todos tinham beijado aquele rostinho de cabelos louros encaracolados e ela continuava de joelhos na pedra fria.
Atrás de si, a flauta permanecia calada.
-Ninguém mais quer beijar o Menino Jesus? -perguntou o senhor padre, quase ordenando.
Maria enfiou a cabeça entre as mãos.
Queria levantar-se, mas as forças faltavam-lhe.
As pernas carregavam o peso da igreja.
O coração vacilava o corpo no crepitar do passado.
Os seus olhos encarregavam-se de dizer o que sua alma sentia.
A flauta...a música, a mesma música que lhe secou as lágrimas, tantas vezes, entoava no horizonte e polvilhava a montanha com néctares divinos.
No ar, os sabores dos sonhos libertavam-na da dor e da saudade que lhe corroía os ossos.
Afinal, quem era aquele rapaz que caminhou para ela e permanecia, ali, tão perto de si?
Seria o Ricardo?
Os ecos das paredes da igreja murmuravam a ausência de quem nunca saiu do seu coração.
Já lá iam tantos anos....
Rezando, recordava outros natais...
do tempo em que era feliz!
-Bom, já vi que mais ninguém quer beijar o Menino! -repetiu o senhor padre, em tom acusador.
A luz da estrela do presépio elevou-se no ar. Uma voz abeirou-se dela e sussurrou:
-Maria...a minha pastorinha da serra...
Lá fora, uma flauta tocou...a flauta mágica que a levou até ao altar.
Maria levantou-se, cobriu bem a cabeça com o véu bordado com bolinhas de nostalgia e caminhou, lentamente.
Depois de breves segundos em silêncio, suplicando a Jesus o que ficou no segredo de Deus, curvou-se num manto cheio de esperança e, com devoção, beijou o joelho do Menino.
A fogueira, no adro da igreja, era o espírito natalício.
O aconchego...a partilha...a união.
As chamas avivavam as memórias.
Novos e velhos tropeçavam em tantas perguntas. Pareciam lobos esfomeados a devorar Ricardo que a todos atendia com um sorriso invadido de felicidade.
Maria Da Luz apareceu à porta da igreja.
Toda ela era luz...uma luz mais forte e intensa que a estrela de Natal.
Ricardo leva a flauta à boca.
Sopra notas que rasgam os céus...
Notas que lhe secam as lágrimas que caem no chão...
Lágrimas que enchem um rio de emoção.
O telhado da igreja chora gotas cristalinas. O braseiro aquece o frio dos corpos.
Maria Da Luz anseia pelo calor de um abraço, na noite mais longa do ano.
Queria acordar do sono que não dormia...!
Celeste Almeida, a autora do texto