Maria Eugénia carregou a cruz do calvário da sua vida, no sorriso que abraça o mundo.
A mulher que foi criança, sem ter o direito a brincar à macaca ou às bonecas.
A mulher que muitas contas chorou nos dedos cansados. Tia Eugénia, hoje mulher...ontem criança...
A criança que à volta da lareira, chorava faminta em cima das lágrimas dos pais e irmãos e rezava a mesma oração sofrida:
Mãe, temos fome!
Pai, temos fome!
A criança que ia bater à porta dos vizinhos para pedir a borra do café e com ela sua mãe fazia uma água escura que aquecia o céu da boca dos seus nove filhos.
A criança que bateu em tantas portas abrindo um saco de serapilheira, na esperança de regressar a casa com um naco de pão.
A criança que com sete anos foi servir e cantava nos montes bem alto, enquanto apascentava o gado, para que o vento levasse o eco da sua voz até seus pais e irmãos, sufocado na saudade.
A criança que comeu carapaus fritos cheios de bichos de varejeira.
A criança que tirou o leite das cabras dos patrões para um púcaro e o dava aos seus irmãos às escondidas.
A criança que levava na saca uma colher e um pedaço de broa que migava no púcaro e amolecia com o leite tirado das tetas das cabras.
A criança que pisou tojos no mato para encher as latas de resina e pedia ajuda a outros braços para as carregar na cabeça.
A criança que dormia na enxerga aquecida pelo calor de quatro corpos, enrolados em lençóis de linho.
A criança que ia à vila de Castro Daire vender molhos de lenha, "roubada" nos montes.
A mulher que no ano de 2007 esteve um mês em coma e quando todos pensavam que iria morrer, chorou ao ouvir a voz de um dos filhos, chegado do estrangeiro...chorou e voltou à vida...
A Tia Eugénia uma das muitas personagens do meu livro "A Alma de um Povo" e que hoje me fez sorrir, dizendo:
- A senhora é uma santa!
Santa, eu, Tia Eugénia?!
Ao seu lado nada sou!
Abençoada por Deus, foi a senhora! Obrigada, Tia Eugénia pelos pedaços de vida que partilhou comigo! Obrigada!
Celeste Almeida, autora do texto