01 Sep
01Sep

É que nem sentada na areia da praia, se pode estar…

Tentava eu fazer uma meditação não praia, ao por do sol, os restantes veraneantes já tinham dobrado toalhas e fechado os chapéus de sol…

Inspirei… três vezes… sempre três vezes, e quando me preparava para apenas sentir a minha respiração…

“Sê quem tens que ser, já!”

Estremeci ao ouvir a Voz. Há muito que não vinha falar comigo e na verdade já tinha saudade, mas sinceramente, interromper um momento de paz, não era exactamente o que eu esperava que ela me fizesse. Não ela, a Voz, que é toda paz… num momento de consciência lembrei-me que por vezes é preciso fazer silencio para se ouvir o caos.

Resoluta, deixei que falasse.

“Deixa, filha, deixa-te estar de olhos fechados e deixa que te fale. Sabes? Eu estou no soprar na brisa, no morno raio de sol no teu rosto, estou nas ondas do mar, no veludo do céu azul…”

Abri um dos olhos e espreitei à minha volta antes de responder, é que malucos há muitos, e eu não queria correr o risco de o parecer. Falar “sozinha” é algo que me habituei a fazer, mas ser apanhada a fazê-lo nunca foi um dos meus pontos fortes.

“A sério que me vais tentar chamar à atenção, com lirismo?...! vai directa ao assunto, que eu quero meditar, não percebeste?”

Beijou-me o rosto com o último raio de sol, arrepiei-me… e continuou.

“Hoje, sentes-te rasgada entre as mil e uma coisas pequenas que sentes que deves fazer por alguém… sim, esse alguém de quem estás a pensar… para que mostrar amor e cuidado. Tudo porque teimas em procurar validação em tudo o que fazes. Não te chega que ames? Não te chega senti-lo? E mais, nem sempre quem tu amas ou a quem queres provar esse amor, está preparado para o ver, sentir e aceitar… pois é, amar não é fácil. Quantas vezes já te mostrei que impor limites também é amar?”

Dou comigo a tentar engolir o nó repentino que sinto na garganta… usando a brisa nos caracóis para me chamar a mim de novo, Voz seguiu o que me parecia que viria a ser mais um puxão de orelhas.

“Mas voltando a ti e como te fazia sentir, impor limites é uma forma de se amar, mas também uma forma de te defenderes. Já pensaste nisso?”

“Uau!” Penso eu… “como é que ainda não aprendi isto, ou melhor como é que eu nunca apliquei esta verdades que tanto apregoo a mim própria?!”

“Pois, eu sei que o sabes, mas não aplicas. Tenta impor limites de forma amorosamente assertiva, mas depois não te castigues a ti própria nem te culpabilizes por fazê-lo. Ter capacidade de auto_crítica - desde que a faças de forma construtiva” de sobrancelha franzida, olhou-me precisamente quando eu me preparava para retorquir…”Cons-tru-ti-va! E deves ser intencional e objectiva. Sejam os teus limites flexiveis ou não, deves tentar adaptar cada detalhe dentro dos teus limites, em vez de te agarrares de mão e unha a cada pequeno detalhe com tanta determinação que acabas por perder o foco do que realmente procuras alcançar. Já pensaste que corres o risco de ser enfadonha?! Tu não queres isso, pois não?!”

Aproveito uma pequena pausa que a Voz me dá para concluir que o tema geral da minha vida tem sido efectivamente a procura, a análise e a critica do e ao detalhe… “Credo!” oiço-me dizer ao sabor do som das ondas que agora, também elas começam a fazer a sua recolha à serenidade. 

Recomponho-me… e tenho a sensação que a Voz se prepara para fazer o remate final.

“Usa a confiança que já adquiriste no teu estudo interior, continua a aprender-Te, persiste em novas formas de disciplina mental. Essa tua criatividade, filha… usa-a também para teu benefício. A criatividade absoluta transcende o convencional, e a mesma liberta(-te) de muitas regras, leis e restrições desnecessárias.”

“Quais?!” pergunto em sobressalto.

“Esta, é a parte que tu respiras fundo, três vezes!...”

As gaivotas que por ali também escutavam a Voz, bateram asas e eu respirei. Três vezes…


Conversas com a Voz

Ruth Collaço®



Ruth Collaço, a autora deste texto.

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