Que faço eu com tudo isto que me vai na alma e no pensamento?
Que faço eu aos meus ais, aqueles que engulo mal os sinto chegar.
Já os sentiste?
Acordo.
É tão difícil acordar…
De manhã?
Não. Acordar, acordar!
Arrasto-me da cama, enfio os pés nas pantufas, gosto de andar descalça, mas calço-me para ninguém me começar a controlar e ordenar logo de manhã (eis um dos prazeres de ter crescido em Africa), por isso calço-as, só para ter mais 3 segundos de silêncio.
Uma rápida ida à casa de banho e arrasto-me para a cozinha.
Cozinha? Cubículo com bancada, quero eu dizer.
Café, pão… e a tv que já está sempre ligada e tão alta.
Invade-me tudo o que existe à minha volta. Não estou pronta para este dia.
Enfrento, como um touro enfrenta o toureiro.
Não porque quer (sim porque i touro não quer…), mas porque foi posto na arena e é suposto ele agir de acordo com o estímulo que lhe é provocado.
E se o “touro” deixasse de investir?
Olho à volta e vejo a “arena” pronta para o espetáculo.
E se eu não acordasse.?
Pois…. Mas tarde demais, eu já acordei!
Acabo de comer, levanto-me, arrumo a loiça na máquina. Grande parvoíce! …Leva-se tanto tempo a pôr e tirar a loiça na máquina quanto o tempo que se leva a lavar loiça. E mais…. Eu cá gosto muito de lavar a loiça. Como mais ninguém cá por casa gosta de o fazer, aproveito e tiro este tempo para mim, só para mim, dentro de mim e mais ninguém na minha cabeça...
que paz!
É para mim, uma das formas de meditação a que recorro.
Há algo nos gestos repetitivos que me esvazia a mente e me “leva” a folhear o livro dos pensamentos e a gerir sentimentos, sem que ninguém o tenha descoberto, guardo para mim este tesouro.
Mas… hoje em dia já toda a gente tem máquina de lavar loiça…
Ventos Sábios – Ruth Collaço ©
Em: Conversas com Voz
Ruth Collaço, a autora deste texto.