E assim me sussurrou a Voz:
Guerreira, não é o amor à memoria, nem tão pouco o amor ou a memória apenas.
É a memória do amor que te mantém de pé.
É por isso o princípio régio do amor e da vida, e o compromisso com o mesmo que não te permite abandonares-te a ti própria.
Quando sentires, não que o "apoio" te foi retirado, mas uma diminuição da proximidade desse apoio, podes estar certa que está para vir um período de provação.
Um período em que sozinha terás que te alimentar da memoria da alma até ao regresso do apoio amado.
Assume então a tua posição de alerta, e define o teu posicionamento perante o apoio e o teu caminho.
Voz.
(Heterónimo)
No peito, escondido entre a carne
Ouvi, como se um vulcão me falasse
"Se chegares ao deserto, não pares
de longe te trago nos braços
fazendo até aqui chegasses.
Toma, pois, o meu velho cajado
que os teus passos não fraquejam
e tuas pernas não se dobrem
faz a travessia, prolonga o olhar
acolhe em ti a sede e a fome
de quem busca na areia o abrigo
permite que o vento te fustigue
e o chicote do sol te castigue
Sê brava, sê reptil, sê cobra
gafanhoto, lacrau, camaleão
destes, aprende a lição
faz das dunas teu refúgio
e da noite, esconderijo
que hoje aqui te abandono
para que saibas vencer
teu rosto em raiva erguer
a raiva do ser, a raiva da vida.
de chamas, labaredas és feita
nada te pode prender esses pés
o vento te empurra, brisa te sopra
as estrelas te guiam, sobe o teu fogo
emana tua luz, esmorece jamais
e quando findar a tua travessia
verás que te espero, teu mestre
... Teu guia!"
...
Cheguei ao deserto, atravessei.
Voz
(Heterónimo)
Ruth Colaço: Autora do Texto