04 May
04May


Meto a haste de capim no canto da boca, encosto-me à esquina... Não me sento na mesa, está toda peganhenta! para isso chega-me o suor no corpo, que esta m@rda de verão não há meio de acabar!

Estes dois intrigram-me...

Com a voz embragada por uma tristeza escondida, chegou-se a ela. Estendeu a mão por cima da mesa, de gesto aberto trazia na mão o aconhego que dizia que a queria mais perto. É óbvio, estes já não enganam ninguém. Os riscos na sua palma traçavam o mapa das suas estradas e rumos. 


Sem que soubesse, estava escrito na palma da mão que um dia a dele iria acolher, entender, ouvir e até ler a palma da mão dela.

Ali estava ela, frágil e olhos molhados, a sua pele fina e perfumada emanava o cheiro da saudade e em vez de lhe dar a mão, levantou-se e abraçando-o de corpo, alma e pele toda ela soltava um grito que só os dois ouviam.... 

"Que bom que é chegar a "casa"!"

Beijaram-se com os olhos, e abraçaram-se num beijo.

Despejaram naquela mesa que já tanto tinha ouvido durante todo o dia, mais um dia de luta e trabalho e saudade.

A mesa cansada rangia e gemia cada vez que um deles nela se apoiava. Também ela estava cansada. Logo de manhã, uma mãe apressada derramou o chocolate quente do filho e estava tão quente, que até fumegava. Claro que tinha que o derramar, afinal de contas o calor da pressa acaba por queimar a todos, ela bem pensa que eu não vejo... mas aposto que a tipa está quase a perder a estibeira! 

Caraças! Fosse meu filho já lhe tinha chegado a roupa ao pelo! 

Logo a seguir um jovem de aurículares, carregado de livros e Ipad debaixo do braço entornou sumo de laranja fresquinho...naquele arrepio a mesa persistiu, mais um bocadinho e chegariam as senhoras do chá da onze... 

Pelo menos a esta hora ficaria a saber dos novos medicamentos, do Zé que fugiu com a moça da padaria deixando a Manuela com 5 filhos!

Melhor para ela, pelo menos deixava de levar na tromba, a outra que levasse com o pão nas trombas! 

Eu cá não compro jornais? 

Porra!? 

Antigamente ainda "pegava" neles (daqueles que se pegam as mãos), mas agora é guerras, impostos, e facadas..irra...! 

Eu cá fico-me pelas notícias das velhas das onze! 

Sempre é mais barato, já tentei fanar uns auriculares, mas aquela m@rda além de ser incómoda dá uma dor de cabeça forte para xuxu! 

Ao meio dia, chegavam os executivos, engravatdos e todos fatiotas.  Este gajos são todos iguais, à hora do almoço são todos nhénhénhé. É puxa cadeira, é oferece café, é elogio à blusa da colega quando o que o gajo está a micar mesmo é o belo par de mamas daquele decote! ao fim do dia, depois de ja terem gasto os piropos pirosos, encontram-se com a sua "amada"... de trombas, gravata desalinhada e sem paxorra para lhe dizer o que quer para o jantar. 

"Sei lá o que quero para o jantar. Não há sobras? Só pensas em gastar dinheiro e comer fod@-se!!" 

Até parece que advinho a resposta dela 


"Também... tens razão dou-te as sobras e mando vir para mim e para os meninos...

para quem é bacalhau basta! E já vais com sorte! Hás-de querer e não hás-de ter!" 

Mas hoje eles vieram, já não os via há dias. No meio do resumo que faço do dia, acabo por perder o fio à meada da conversa deles.... 

Porring!" que um gajo divaga um pouco e perde logo o comboio.

De olhos em fogo e a voz meia rouca de saudade ele pegou-lhe na mão. 

"Sabes, estamos a chegar ao ponto que eu temia..."
"Como assim?"
"Só falamos de trabalho.... quando tens tempo para namorar comigo?"
Eláaaaaa! Com esta a tipa não contava! Toma que já levaste!
Pelo pensamento deve-lhe ter passado mil uma coisas e aí... desmanchou-se. Abriu a torneira!
Já aprendi muito na vida, mas lidar com uma tipa destas a chorar, ná dá!

Ajeito o rabo no parapeito exterior da montra e estico a atenção até eles.

Virei costas, vim-me embora! 

Ela que acorde para  vida e ele que não deixe de estar atento! Se é que não querem passar para o horario do almoço ou para o do fim do dia de trabalho!

Também, já tinha o rabo dormente de ali estar!


Pé de Carvão
(Heterónimo de Ruth Collaço)
Imagem: Arte Urbana sem referência de artista.



Ruth Collaço, a autora deste texto.

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