Sinceramente que sinto que a memória, me falha, mas tive nitidamente a sensação que foi real… ou terá sido sonho?
Numa Ela me tinha “falado” assim, até certo ponto compreendo-a, pois, tenho andado a mil, muitas vezes questionando se valeria a pena tudo o que (penso) que faço…
Dou por mim, já perto da madrugada, a tatear a mesinha de cabeceira à procura do meu copo de água. Não abro os olhos com medo de repetir a proeza de “fazer uma direta”, como tem acontecido ultimamente…, mas não é o copo que sinto na mão. Sinto o farfalhar do que parece papel… irritada por me ver obrigada a acender a luz, acendo-a!
Na mão, vejo um papel dobrado em três. Curiosa, confusa, desdobro em modo sonâmbulo o papel e leio:
“Faz o trabalho, reergue-te todos os dias. Não porque ontem caíste, mas porque hoje é preciso seguir. Acaba o que começas, larga o que te fere..., mas fá-lo com amor, com cuidado para que o teu reerguer (e o do próximo) não seja mais sofrido do que é necessário.
Ergue-te a cada dia, a cada instante. Sê tu a fonte, o rio e o delta. Sê a onda do mar frondosa, calema vivo e a fúria do vento sem esquecer que o vento também é brisa e o mar também embala.
Escolhe a onda e não a maré...
Regressa ao ventre da paz, encolhe-te, enrola-te e abraça-te. Semeia o amor no teu peito, rega-o com introspeção lúcida para que a tua paz nunca seque, nunca mirre, nunca morra.
Verás que se fizeres …-"o caminho", muitas serão as bênçãos e ungidos serão os teus passos.
Voz”
Ainda que confusa e (percebo-o agora) em modo telecomandado decido responder, sabendo que se não o fizer, nem Ela nem eu iriamos ficar “caladas” … e repondo no mesmo redado, com o lápis que utilizo para sublinhar passagens nos livros de leitura que me velam o sono todas as noites… ou me mantêm acordada até ao sol raiar.
“Amada Voz,
Hoje a tua mensagem foi(-me) um eco profundo da minha alma cansada e tão provavelmente antiga.
Falas ao coração que clama pela quietude do ventre da terra e pela vastidão do mar. Ergues-me com o cuidado de quem sabe que cada passo é sagrado, como se eu dançasse sobre os véus de um mundo invisível. O trabalho é o tecer constante da tapeçaria da vida, onde o amor é fio dourado e os afetos o seu padrão. Guardo-me, como sugeres, no ventre da paz e nutro-me na brisa do agora.
Que a força das ondas, na minha entrega ao destino (pela minha alma) escolhido que me espera e, inspiro cada gota de meu caminho.
Pergunto-me tantas vezes como serei inteira, ciclo, e semente, neste caminho sagrado fazer e refazer…
Mas por favor… agora deixa-me descansar…” viro-me para _”o”_ lado com a sensação de estar a regressar à minha cama, morninha e aconchegante.
Acordo hoje… na mesa da cabeceira, vejo um dos meus livros abertos numa página à qual eu ainda não tinha chegado. Um livro que eu até já sonhei escrever.
Seu título “Conversas com a voz”.
Leio (lembro-me de o fazer) uma parte sublinhada a lápis:
“Que o universo te conceda o dom da inteireza, para que sejas sempre plena em cada fragmento.
Que sejas ciclo, em eterna renovação, acolhendo tanto os inícios quanto os fins. Que sejas semente, fonte de vida e esperança, enraizando-te no sagrado solo da tua existência.
Que o teu caminho, em cada passo de fazer e refazer, seja ungido pela luz da criação divina e pela paz profunda que só o amor pode nutrir.”
E voltei a virar-me para o lado… o _Outro_ lado.
Por onde terei andado enquanto dormia?
Já vos aconteceu?
Ventos Sábios
Ruth Colaço, a autora do texto