Há um “não” que não se diz com a boca, mas com o ventre.
Um “não” que vem da memória uterina, da pele que já foi altar e campo de batalha.
Esse “não” não é recusa — é reza.
É tambor que pulsa no silêncio, é dança que não se curva.
O “não” é um gesto de cura.
É o momento em que a mulher deixa de ser oferenda e se torna sacerdotisa.
Quando ela diz “não”, não está apenas negando o outro — está afirmando a si.
Está chamando de volta os pedaços que lhe foram arrancados em nome da doçura, da conveniência, da paz que sempre lhe exigiram.
O “não” é ancestral.
É a voz das que não puderam dizer.
É a força das que foram caladas, das que aprenderam a sorrir com os dentes cerrados.
É a semente que brota no chão onde antes se rastejava.
Dizer “não” é abrir caminho.
É cortar o laço que prende, é devolver ao mundo o que não lhe pertence.
É escolher o próprio nome, o próprio tempo, o próprio corpo.
O “não” é espiritual porque é escolha.
E toda escolha é sagrada.
Toda escolha é altar.
E quando ela diz “não”, o universo escuta. E responde com vento, com fogo, com raiz. Porque há um poder que só desperta quando a mulher deixa de agradar e começa a existir.
Maria do Vento (Heterónimo)
Ruth Collaço, a autora do texto