28 Sep
28Sep

Há um “não” que não se diz com a boca, mas com o ventre. 

Um “não” que vem da memória uterina, da pele que já foi altar e campo de batalha. 

Esse “não” não é recusa — é reza.  

É tambor que pulsa no silêncio, é dança que não se curva. 

O “não” é um gesto de cura.  

É o momento em que a mulher deixa de ser oferenda e se torna sacerdotisa. 

Quando ela diz “não”, não está apenas negando o outro — está afirmando a si. 

Está chamando de volta os pedaços que lhe foram arrancados em nome da doçura, da conveniência, da paz que sempre lhe exigiram. 

O “não” é ancestral.  

É a voz das que não puderam dizer. 

É a força das que foram caladas, das que aprenderam a sorrir com os dentes cerrados. 

É a semente que brota no chão onde antes se rastejava. 

Dizer “não” é abrir caminho.  

É cortar o laço que prende, é devolver ao mundo o que não lhe pertence. 

É escolher o próprio nome, o próprio tempo, o próprio corpo. 

O “não” é espiritual porque é escolha.  

E toda escolha é sagrada. 

Toda escolha é altar.

E quando ela diz “não”, o universo escuta. E responde com vento, com fogo, com raiz. Porque há um poder que só desperta quando a mulher deixa de agradar e começa a existir.  

“O não é um poema sem rima” 


Maria do Vento (Heterónimo)

Ruth Collaço, a autora do texto

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