Quando a Luz Renascida Fala ao Tempo
Há épocas do ano em que o mundo parece suspender a respiração.
O Natal e o Ano Novo são dois desses instantes em que a humanidade, quase em uníssono, decide acreditar que a luz pode renascer e que o tempo pode começar de novo.
Mas, quando olhamos com olhos espirituais, percebemos que estas datas são menos acontecimentos e mais espelhos: refletem aquilo que desejamos ver, aquilo que precisamos sentir, aquilo que tememos perder.
O Natal, envolto em luzes artificiais e memórias inventadas, não nasceu numa manjedoura, mas no coração antigo dos povos que celebravam o solstício de inverno.
Antes de ser o nascimento de Cristo, foi o renascer do Sol — o triunfo da luz sobre a noite mais longa.
A Igreja apenas vestiu de cristandade aquilo que já era sagrado muito antes. E talvez seja por isso que o Natal nos toca tão fundo:
Porque fala de um renascimento que não pertence a um único homem, mas ao próprio ciclo da vida.
No plano místico, o “menino divino” é o símbolo do que desperta dentro de nós quando a escuridão parece maior.
É a centelha que insiste, mesmo quando tudo parece frio.
A ilusão não está na festa, mas na crença de que o milagre acontece apenas naquele dia.
O verdadeiro renascimento é silencioso, íntimo, contínuo.
O Ano Novo, por sua vez, é ainda mais transparente na sua natureza simbólica.
Não há estrela, nem solstício, nem evento cósmico que marque o dia 1 de janeiro. Há apenas a decisão humana — arbitrária, mas poderosa — de que ali começa um novo ciclo.
Júlio César fixou a data há mais de dois mil anos, e desde então repetimos o ritual como quem abre uma janela para deixar entrar ar fresco.

Espiritualmente, o Ano Novo é um portal imaginado, mas não menos real por isso.
É o momento em que milhões de mentes se alinham na mesma vibração: a vontade de recomeçar.
E essa vontade cria uma energia própria, uma onda que nos atravessa e nos convida a mudar.
A ilusão está em pensar que o calendário faz o trabalho por nós.
O tempo não se renova — somos nós que o renovamos com a intenção que colocamos nele.
No fundo, estas datas são como lanternas acesas na escuridão. Não iluminam porque são mágicas, mas porque nós lhes damos luz. São ilusões, sim — mas ilusões férteis, necessárias, belas.
São histórias que contamos para lembrar que a vida é feita de ciclos, que a luz volta sempre, que o recomeço está sempre ao alcance de um gesto interior.
E talvez seja essa a verdadeira magia: perceber que o Natal e o Ano Novo não acontecem no calendário, mas dentro de nós.
Cada vez que escolhemos renascer.
Cada vez que escolhemos começar.

Ruth Collaço, a autora do texto