23 Mar
23Mar

Desde menina que me sinto fascinada por detalhes, por coisas “pequenas”… Há inclusive quem diga que é pelos detalhes que eu me encanto ou desencanto. 

Tenho ainda quem diga: 

“Tu és capaz de engolir um touro, mas engasgas-te com um mosquito!”… 

e o pior é que têm razão. 

Hoje, dou por mim sentada na minha cadeira de embalar, fiel companheira de horas serenas, e decido simplesmente nada fazer. 

Tenho à minha frente uma janela, no ângulo de visão o primeiro (re)botão de uma orquídea que me foi oferecida há uns anos… e entre o embalo da minha velha cadeira e beleza rara dessa flor, fico “pendurada”, silenciosamente colada à sua beleza.

Embalo-me um pouco mais e mergulho numa correnteza de memórias e recordações... 

Que idade tinha mesmo quando conheci a poesia?  

- Não sei precisar, mas sei que ainda tinha que dar a mão à minha mãe para subir as escadas (da vida)... comecei por dizer poesia em dias de festa, cantei versos que conseguia decorar facilmente porque as palavras "são parecidas quando acabam" ... e descobri a rima. 

Daí em diante as palavras desenrolavam e desdobravam-se na minha mente. 

Como folhas de outono caídas aos meus pés e pétalas de rebentos primaveris esvoaçantes, assim eram as palavras, as rimas, as quadras e versos faziam sentido e fascinavam-me.  

E foi paixão, pelas palavras e pela força que tinham. Eram pontes que me aproximavam de mim mesma. Espelhos límpidos do que sentia... 

A vida aconteceu... 

e a menina cresceu...  

mas a palavra, a poesia é perene. 

Não envelhece, não foge, não mente e não desmente...  

e gosta de estar aqui comigo, na minha cadeira de embalar…  

e isto nunca partilhei com ninguém, esta forma que sinto e vivo a palavra escrita. … 

embalo um pouco mais… 

Caem-me os olhos para a minha orquídea, também ela confidente e testemunha de momentos meus, só meus. 

Gosto de a cumprimentar todos os dias, como se falasse a uma pessoa amada.

Ela não é perene, mas é confiável, oferece-me sempre um pouco de si quando eu mais preciso. 

Dizem que o universo tem variadíssimas formas de se fazer “escutar”, “ver”. 

Nunca fui pessoa de “badalar” as coisas que mais intimamente amo. Aquelas que só eu vejo, momentos em que em silêncio me sinto comovida por algo. 

Toda a vida amei, em silêncio, a orquídea (e não é que até rima!?), mas nunca o contei a ninguém.

Passava nas floristas e sentia o coração a inchar e aquecer quando as via.  

Nas varandas e jardins, gostava de as olhar e pensar sempre o quão perfeitas e bizarras são.  

O quão perfeita é a natureza no bordar dos seus detalhes. 

Ao longo da vida foram-me oferecidas muitas flores, que a todas abracei. Mas nunca uma única orquídea. 

Até que um dia, a minha mãe me ofereceu  uma.  Assim do nada.

E eu, chorei…   

Já era mulher feita e já tinha vivido (muitas) histórias de amor.  

Mas a orquídea vinda das mãos da minha mãe, foi a maior história de amor que eu alguma vez terei lido… mas esta não tinha palavras. 

E tu?  

Qual dos teus amores é que nunca contaste a ninguém? 

Será que “contar” um amor faz com que ele chegue?


O silêncio também é poesia. 

Ventos Sábios®

Ruth Colaço, a autora do texto

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