07 Apr
07Apr

Grafite feito pela autora


Tenho a nítida sensação que a voz está a ouvir o ruído e cacofonia dos meus pensamentos, só pode, senão como iria ela chegar-se ao meu ouvido e sussurrar:

Hoje sentes-te dividida entre fazeres muitas coisas pequenas para alegrar alguém e a sensação de estares a sufocar esse mesmo alguém.

É sempre assim, chega quando eu menos conto, e eu nunca sei se isso me irrita ou alivia... o que é certo é que tem sempre razão, e isso sim por vezes irrita. 

De novo adivinha-me o pensamento, e enquanto eu abro o vidro do carro para atenuar (ainda mais) um afrontamento, diz-me:

Lembra-te que delinear limites não serve só para os outros. Tu também os deves ter para contigo própria, e se elos existem é porque também podes perfeitamente usa-los se for isso que necessitas.

Reviro os olhos, já um pouco farta de ouvir sempre a mesma coisa e dos calores que me enrubescem o rosto...
“ah, sério?” penso eu, “de novo a mesma conversa?”

Certifica-te apenas que não estás a fazer “aquilo”...

“Aquilo? Mas qual aquilo...?”, ultimamente deu-lhe para andar à volta com enigmas e meias frases... deve pensar que o transito não me basta para eu ficar toda “desbaratinada”...  e que mania irritante esta que tem de me aparecer assim sem mais nem menos, do nada, como se eu estive sempre atenta e á espera de um palpite! Há dias que uma mulher não tens mesmo cabeça para estas coisas! É o transito de hora de ponta, o “ubber” e o “bolt” que já são mais que os táxis! A única vantagem que com estes eu posso refilar que eles não me entendem... é tudo estrangeirada! Dou por mim a sentir-me culpada com este pensamento. Numa tentativa de me autoflagelar emocionalmente, digo para mim em voz alta “também têm direito a lutar pela vida, não?”. Limpo a garganta, como se tivesse que disfarçar para mim mesma a minha falta de tolerância. “Caramba, eu não fui educada assim!...” Olho paras a mãos, uma abraça o volantes como se fosse um amante perdido enquanto a outra descansa elegantemente na parte de baixo do volante, assim como se esperasse o amante. 

“olha para esta vergonha!” começo eu a castigar-me quase que para compensar o meu comentário sobre a estrangeirada, “estão bonitas, estão. Olha-me para estas unhas... tenho que marcar hora na Adriana, mas está sempre de agenda cheia! Chatice!”

Sinto-a de novo presente e que me bate no ombro, com a ponta do dedinho indicador, ela sabe que com isso me consegue chamar ao momento, não sem arriscar de eu mandar à fava. Detesto destes toquezinhos de campainha no ombro! Arre! Respiro fundo... sopro para cima aproveitando para arrefecer as bochechas e afastar a melena de cabelo que já começar a pedir um corte...

“ora, aquilo... ! Aquilo que tens a mania de fazer: - dizeres-te a ti própria que para seres amada e aceite, não podes ter falhar, que não podes errar, tens que brilhar! Caramba! Por isso é que andas com afrontamentos, e bochechas vermelhas e correrias! Calma mulher... abranda! Sabes que mais? Ou tu paras para ouvir o teu corpo ou ele ainda te vai fazer parar!”

Com esta, travei a fundo! Que conveniente que me tenha chamado a atenção precisamente quando o semáforo ficou vermelho! Senti um arrepio pela coluna acima. e suores inundaram-me a testa e couro cabeludo... tanto que senti os pingos pela coluna baixo! “vou deixa-la falar... sempre é melhor do que levar nas orelhas.”

Sentindo agora que já tinha a minha atenção, respirou fundo pacientemente e continuou:

Eu sei que é difícil manteres mente e coração aberto quando te sentes magoada ou desiludida. Não és má pessoa pelo facto de seres critica... mas será que podes ser um pouco mais flexível contigo mesma. Sê adaptável... atenção eu não disse para te adaptares, eu disse  “a-d-a-p-t-á-v-é-l”.

Entretanto o semáforo abriu, enquanto os últimos pedestres atravessavam a linha zebra apressadamente, tIve ainda tempo para deixar umas palavras no ar.
Estas últimas, eu sei, que são sempre as que me vão deixar sem sono durante uns dias, “vá… diz lá” penso eu.

Deixa que te diga só mais uma coisinha, o tema principal da tua vida durante os próximos dias é identificar formas construtivas de lidar com as tuas auto exigências. Quando consegues ter os pés no chão, enraizar como deve ser, o espaço entre a expectativa e a desilusão colapsam... percebes? - pisca-me o olhar e desaparece.


“Perceber, não percebo. Mas vou ter que perceber.”
E sem dar conta, cheguei a casa!


Ruth Collaço.
1 de Abril, 2024.


Ruth Collaço, a autora do texto.


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