15 Jun
15Jun

A primavera chega em Outubro lá para aquelas bandas. O mar acordou calmo e azul como o céu que o cobria.

Na praia a areia morena começou a ser enfeitada desde cedo, rosas brancas um dossel vestindo um véu esvoaçante emoldurava um pouco do mar, que por sua vez emoldurava todo o resto que a vista alcançava. As cadeiras, também elas vestidas de véus, lacinhos e botões de rosas brancas esperavam ansiosamente a chegada dos convidados.
Aquele era o dia perfeito para ser feliz! Foi o dia que Madalena escolheu para unir a sua vida à de Cândido.

Nos dias que a esse antecederam, cunhadas e irmãs reuniram-se e em forma de bênção uniram-se para cumprir os rituais e fazer os preparativos para o grande dia.Renata uma delas, encontrava-se nos últimos dias de um estado de graça e ainda que já com todo um "mundo" dentro de si pronto para nascer, bateu pé e recusou-se ficar de fora de todo aquele burburinho e fervilhar feminino que acontecia sempre que alguma se preparava para tomar o seu lugar na ala das rainhas. Sim, moça era princesa e mulher era rainha. Assim se viam e assim vêm as mulheres da tribo que as cobria e unia.

Assim sendo, no dia anterior deliberou-se quem faria o quê na fase final de preparação.
Ficou Renata então encarregue de decorar o bolo da boda e organizar a mesa "real". Dessa forma Madalena assegurou que Renata não exagerasse no cansaço...
Renata, brincalhona, alegre e teimosa como sempre, escondia um segredo. Desde a madrugada que sentia já um leve sinal de que a sua cria chegaria em breve. Seu corpo anunciava num gotejar sereno, jamais a amizade e carinho que sentia por Madalena iria permitir que ela não estivesse presente nos preparativos.

E sim, chegado o dia, provou-se perfeito.

As cadeiras enfeitadas foram ocupadas por tecidos alegres e coloridos, calças de linho brancas, camisas claras... na praia morena tudo era leve e alegre. Fitinhas nos cabelos das meninas dançavam na brisa suave, os meninos travavam uma luta interior para não fugirem da mão do pai... é que areia era morena, morninha e eles estavam habituados a brincar na areia. As mãos firmes de cada pai que aconchegavam as suas, nem por um momento vacilaram e nenhum cedeu à tentação.
Mais tarde na vida todos aqueles meninos iriam seguramente lembrar aquela mão quente e firme na sua, a guerra estava tão perto... e ninguém sabia. As meninas afastavam as madeixas do rosto e olhavam as suas mães em admiração, mas foi quando Madalena apareceu na praia morena que elas se sentiram deslumbradas.

Madalena parecia uma deusa, o seu vestido vaporoso, os caracóis que malandros brincavam com o véu, as rosas.... rosas brancas e rosa na sua mão.... seus pés vinham descalços, do dedo do pé subia uma fita dourada em serpentina que mais parecia um fio de ouro colocado pela mãe terra nos seus pés. Sim longa seria a vida de Madalena, no seu ventre estava já destinado que ia gerar filhos e filhas... formava-se ali uma matriarca sem que o soubesse, mas a mãe sabia, a mãe terra prepara sempre as suas filhas para a sua missão.

De braço dado ao irmão mais velho, seus pais assistiam do céu, Madalena juntou o seu olhar com o de Cândido... para nunca mais se perderem um do outro. Nem chuva, nem vento, nem paz, nem guerra desfaz um elo feito na areia da praia morena.
Renata sentiu um arrepio quando a sua irmã passou por ela, sabia que ali se cumpria um desígnio escrito nos astros. Seu corpo estremeceu, o mundo que trazia em si acordou. Estava uma nova vida, quem sabe até sucessora de matriarca, pronta para chegar. Renata afagou o ventre que já contraía e sorriu para si em toda a sua plenitude.... era chegada a hora.

A hora de todas as horas.

Pegou na mão de Teo sorriu e sentou-se... ele percebeu.
Todos os seus sentidos entraram numa correria, acelerou-se o pensamento, também ele brevemente teria uma mãozinha na sua. Rapidamente Teo fez sinal aos outros homens, que fazendo uma roda de costas para a Renata, preparavam assim um círculo sagrado... como galhos da mesma arvore se uniram, é debaixo da mulemba que as mulheres dão á luz. Foram eles galhos fortes oferecendo sombra e proteção, as mulheres, como folhas airosas e maduras vibravam á volta da semente e raiz.


Os noivos disseram "sim"
"Que nenhuma mulher separe o que o amor uniu"

E do círculo sagrado saiu um grito de vida!
Era menina e embrulhada no véu de Madalena, chamaram-lhe Mar.
Ainda sobre a areia morena Renata. amparada contra o peito de Teo, ergueu-a ao céu e mostrou-lhe o mar…


Tirado de um conto
Ruth Collaço / Ventos Sábios ®️
Imagem: Preparação para parto - desconheço artista.



Ruth Collaço, a autora deste conto.

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