Há momentos em que o corpo é chamado à pedra. Não ao palco, não à luz
— À pedra.
Um lugar onde se possa ser recolhido sem explicação, sem pressa, sem forma.
Como acontece à lagosta, que ao crescer precisa de romper a carapaça que a protegia.
É quando se torna necessário crescer, que se torna “mole”, vulnerável, exposta. E nesse estado vulnerável procura abrigo entre as fendas do fundo do mar, aguardando que a nova pele endureça.
Não se trata de fuga.
Trata-se de sobrevivência.
Também o ser humano, em tempos de transição, se deve recolher.
Não por fraqueza, mas por sabedoria.
O mundo exige presença, exige resposta, exige continuidade mesmo quando a alma está a pedir evolução... aquele contraste, por vezes dantesco, entre a necessidade da alma e a exigência da sociedade, da família, dos deveres e até dos direitos. E aguenta-se…, aguenta-se…, aguenta-se… cada exigência, cada atropelo, cada ameaça do caos.
Mas há um momento em que se dá conta que continuar é morrer aos poucos.
E então, como a lagosta, escolhe-se a pedra.
Escolhe-se o silêncio.
Escolhe-se o ventre da terra onde tudo se desfaz para que algo novo possa ser formado.
E não á tarefa fácil despir, quem somos para de novo nos reinventarmos.
A carapaça cai depois de muitas vezes ser batida, arremessada, raspada contra as pedras. As pedras por sua vez e fazendo o seu papel, resistem.
E para tudo e cada elemento há uma função, uma missão… e dou comigo a pensar quantas vezes terei sido lagosta, pedra ou carapaça.
Nesse lugar profundamente denso e silencioso, são então deixadas as palavras que já não servem, as promessas que apertam o peito, as versões de si que só existem para agradar. Descarta-se finalmente a carapaça.
Fica-se cru.
Fica-se sem defesas.
E eis que se inicia o processo renovador do crescimento.
E a cura, queridos leitores, não é, nem deve ser um espetáculo.
É rito.
É recolhimento.
É o reconhecimento de que há uma força que só se revela quando se aceita a fragilidade.
Há uma pele nova que só endurece no “escuro”.
E quando finalmente se forma, não se regressa ao mundo igual. Regressa-se mais fundo. Mais inteiro. Mais verdadeiro.
E arde devagar por dentro, como um vulcão que vindo das profundezas da alma purifica e transborda, assim a carapaça vai-se materializando cumprindo a sua função até ao próximo processo de crescimento.
É assim que se cresce no silêncio.
E quando se volta, não se pede aplauso. Pede-se espaço.
Porque a nova pele não quer palco — quer chão.
“O que se rompe não se perde — há formas que só nascem depois da fratura.”
Ventos Sábios
Ruth Collaço, a autora do texto