05 Oct
05Oct

Há momentos em que o corpo é chamado à pedra. Não ao palco, não à luz 

— À pedra.  

Um lugar onde se possa ser recolhido sem explicação, sem pressa, sem forma. 

Como acontece à lagosta, que ao crescer precisa de romper a carapaça que a protegia.  

É quando se torna necessário crescer, que se torna “mole”, vulnerável, exposta. E nesse estado vulnerável procura abrigo entre as fendas do fundo do mar, aguardando que a nova pele endureça. 

Não se trata de fuga.  

Trata-se de sobrevivência. 

Também o ser humano, em tempos de transição, se deve recolher. 

Não por fraqueza, mas por sabedoria.  

O mundo exige presença, exige resposta, exige continuidade mesmo quando a alma está a pedir evolução... aquele contraste, por vezes dantesco, entre a necessidade da alma e a exigência da sociedade, da família, dos deveres e até dos direitos. E aguenta-se…, aguenta-se…, aguenta-se… cada exigência, cada atropelo, cada ameaça do caos. 

Mas há um momento em que se dá conta que continuar é morrer aos poucos. 

E então, como a lagosta, escolhe-se a pedra.  

Escolhe-se o silêncio.  

Escolhe-se o ventre da terra onde tudo se desfaz para que algo novo possa ser formado.  

E não á tarefa fácil despir, quem somos para de novo nos reinventarmos.  

A carapaça cai depois de muitas vezes ser batida, arremessada, raspada contra as pedras. As pedras por sua vez e fazendo o seu papel, resistem. 

E para tudo e cada elemento há uma função, uma missão… e dou comigo a pensar quantas vezes terei sido lagosta, pedra ou carapaça. 

Nesse lugar profundamente denso e silencioso, são então deixadas as palavras que já não servem, as promessas que apertam o peito, as versões de si que só existem para agradar. Descarta-se finalmente a carapaça.  

Fica-se cru.  

Fica-se sem defesas.  

E eis que se inicia o processo renovador do crescimento. 

E a cura, queridos leitores, não é, nem deve ser um espetáculo.  

É rito.  

É recolhimento.  

É o reconhecimento de que há uma força que só se revela quando se aceita a fragilidade.  

Há uma pele nova que só endurece no “escuro”.  

E quando finalmente se forma, não se regressa ao mundo igual. Regressa-se mais fundo. Mais inteiro. Mais verdadeiro. 

E arde devagar por dentro, como um vulcão que vindo das profundezas da alma purifica e transborda, assim a carapaça vai-se materializando cumprindo a sua função até ao próximo processo de crescimento. 

É assim que se cresce no silêncio. 

E quando se volta, não se pede aplauso. Pede-se espaço. 

Porque a nova pele não quer palco — quer chão. 


“O que se rompe não se perde — há formas que só nascem depois da fratura.”   


Ventos Sábios

Ruth Collaço, a autora do texto

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