Soberana verdade. Despi-me.
Preparei-te uma poltrona no centro de mim.
Anda, vem-te sentar. Pousa as mãos nos joelhos, reclina a tua cabeça, sente o veludo na nuca... no pescoço... deixa que a poltrona te acolha... mas não desvies o olhar de mim. Penetra-me com o brilho dos teus olhos e deixa que, nesta penumbra, eu me dispa para ti, perante ti e por ti.
Lá fora, a vida acontece, o sol brilha por entre as frestas destas persianas da vida... protegem-nos do mundano, do profano e do trivial.
Há uma guerra em mim e eu preciso de a despir.
Chopin acaricia o ar que nos rodeia, suavizando tudo... tudo! Facilitando a queda do medo, a vergonha da nudez, impérios de orgulho... muralhas de defesa que ameaçados pela verdade tremem perante a crueza que te ofereço...
Dispo-me.
Dispo o rosto... de cores e brilhos, deixo cair o sorriso...Não! Não te desvies... não te percas... penetra-me e envolve-me com as mãos do coração como se eu fosse uma pétala de orquídea acabada de cair.
Levo a palma da mão ao peito. Este volume... Aperto o aperto arrancando devagar o que firmemente se agarra a mim... é a 'dor amor', é a dor!
Contraio o ventre que, hoje vazio em espamos, não canta... só geme. Dele faço deslizar as correntes que prendem a mulher em mim, que restringem a maternidade, fecundidade e o desejo... solto, liberto... desnudo-me. Perante ti, por ti e para ti.
Vês-me?...
Os pés que cansados aguentam-me as pernas, que tremulas, gritam ferozes, pedindo soltura. Reclamam caminhos nunca caminhados... os árduos já conhecem.
Castigo o tapete debaixo dos pés, pisando-o assim, ao de leve, mas firme... marcando o macio com a planta dos pés... sinto as fibras cobrirem-me os dedos. Aperto... solto... solto as fibras, as pedras, os rios, as águas e riachos de choro silente que só eu conheço e hoje te oferço. Não para que o sintas, mas para que o saibas, valides, entendas...
No corpo as marcas da vida já dançam... as curvas que outrora vestiam-me a carne são hoje caminhos sem mapas ou regras... caminhos, vales e montes selvagens e virgens que nunca, por deuses, foram descobertos.
Despida de mim, perante ti... fica apenas intacto o meu olhar... porque esse nunca despi.
Não dispo jamais, pois ele me permite ver a verdade, mostrar a verdade e seguir caminho.
...
Calou-se Chopin, o sol já desceu. A noite caiu...
Mas eu erguida, finalmente despida, nua, crua... em carne viva.
Vês-me?...
Vejo então que tudo em ti se ergue... e com esse todo, me abraças e aceitas.
Fecha agora os olhos, que eu "despida" quero-te amar com a minha soberana verdade.

Ruth Collaço
Ventos Sábios - Ruth Collaço®️

Ruth Collaço, a autora deste texto.