(De novo ela me acorda)
"Demoras muito!?"
Mas isto lá é maneira de acordar uma pessoa? Ainda por cima não me sussurrou, não... hoje teve que subir o registo comigo como se eu tivesse cometido algum crime.
Esfrego os olhos e pela mancha nos dedos percebo que ontem nem me desmaquilhei, tal era (é) o cansaço! Olha se eu não tivesse tirado as pestanas?... Imagina, teria acordado com elas coladas às olheiras e que rica figura seria... pior ainda seria se ficassem coladas às sobrancelhas!
Dou uma pequena gargalhada, espreito a minha figura ao espelho e dou outra gargalhada!
As coisas que me passam pela imaginação têm a tendência de descarrilar de tal a maneira que me fazem logo viajar para outras dimensões... confesso que por vezes até acho que é uma bela escapatória para uma realidade que hoje em dia mais parece monotonia que rotina.
"Demoras muito?" volto a ouvir.
Assustada, mas ainda e só meio acordada, percebo que, e já um pouco irritada, conheço a Voz que me acorda.
Sim, voltou!
Eu faço-me de despercebida, pois sei que já faz algum tempo que não conversamos... não por falta de tempo, mas por preguiça e por ter atropelado a Voz com outras prioridades. Época festiva... serve sempre como boa desculpa.
Enfim... apuro os sentidos e pergunto
"demoro muito a quê?"
"Para acordares!..."
Há qualquer coisa no ar que me diz que este acordar, tem dois sentidos! Intuitivamente sei exatamente o que ela quer dizer.... há quanto tempo não tiro tempo para estar com ela, para a escutar...? Nem sei! Com Natal e festas ficou muita coisa para trás (mais um sacudir de capote...).
Faço um ar de inocente, que ela percebe muito bem ser de vergonha. Resignada, deixo-a falar
"Constrói novas pontes..."
faz um compasso de silêncio e como eu não respondo, ela continua.
"Há sentimentos do passado que por vezes parecem permanecer...entendem-se e estendem-se como um pedaço de queijo derretido (chega a "queimar os lábios, tu bem sabes o que estou a dizer..) entre duas fatias de pizza quando as separamos...
"Juro, mas juro mesmo que não percebo para onde este discurso vai...
"Tu sabes muito bem a que me refiro.
Queres que eu te faça um desenho?!"
Enruga a sobrancelha esquerda e sobe a direita.
Ui.....! penso para os meus botões!
Acendem-se umas luzes, umas bandeiras e mais um ou dois sinais de "transito" na minha cabeça e eu lá atino com a Voz, até porque hoje não está para brincadeiras.
"Tentar banir certos sentimentos e empurrar certas decisões e conclusões para o quartinho dos fundos dessa cabecinha, só fará com que eles rebentem com a porta e voltem com mais ganas! Não é o "tempo" que vai resolver... és Tu! Tu é que farás a diferença!
Chiça que até me arrepiei!
"Tens esse desejo de mudar.. mas digo-te já, que tudo depende mesmo da tua capacidade (para não falar em habilidade) para acederes à tua intuição, imaginação e criatividade.
Faço uma cara de quem não gostou do que ouviu...
"Não me faças essa cara, que tu a mim não dás a volta... Eu bem sei que é um feito (e não é dos pequenos, reconheço) para uma pessoa como tu, que pensa que sabe o que sente sem ter que verdadeiramente passar por elas, experienciá-las.... ah e tal... não preciso de fazer para saber como se faz. Pois, pois! E agora "acordas" não?. Toma nota, aponta, reconhece e valida em ti, as oportunidades que este momento te traz!
Deixa então que te faça entender uma coisa, e só o direi uma vez.
Tu não gostas de desafios? não os propões, não queres ajudar os outros? Que tal desafiares-te a ti própria? Que tal comparares-te a ti própria? a do passado e a do presente.... onde estavas e onde estás...que tal?
Pois o teu desafio é este:
pega no relacionamento que tens contigo e trabalha-o.
Lembra-te:
- Dificuldade ensina resiliência.
- Constrói novas pontes dentro de ti
- Desafia-te quando te sentires acomodada
- Aceita-te - Sê leal a ti mesma
- Não peças desculpa por perseguires o teu sonho."
... (suspira)...
e eu limpo as gotas que me começam a sobrar dos olhos...
" E agora vai tirar essa maquilhagem. Põe a tua pintura de guerreira e segue o teu coração, que eu estou aqui, não te deixo e não te abandono.
Ponho os pés fora da cama, sinto uma descarga de amor e luz, e sei que vai acontecer!
Ruth Colaço: Autora do texto