Deixa agora que me descalce
que tire de mim estas solas
que até aqui me trouxeram
pisando caminhos, veredas perdidas
furando-me a carne
espetos e pedras na estrada
calçadas para mim desiguais.
Deixa que me descalce assim
em respeito, reverente
permite que te pise e te sinta
que através de mim
corra tua seiva vida
e que me faça vibrar
florescer, iluminar
permite que te aconchegue
com pés cansados
sangrentos da vida
que o meu sague tu aceites
que sirva de força vida
para frutos e flores
que eu possa viver para sempre
ainda que morta
em ti floresça.
Deixa, deixa que te pise
terra mãe, terra sagrada
sejam tuas folhas secas douradas
meu manto suave
para que a terra não me pese
e o vento me leve
para onde eu for livre
sem que sendo livre
me afaste de ti
te tenha em mim
mãe lua, mãe Vénus
mãe terra, mãe vida
assim te sou filha
descalça, em teu colo acolhida.
E quando eu tombar
no outono da estrada
cansada e rendida
aceita tua filha
Cansada e ferida.
Ruth Collaço
Ventos Sábios
Ruth Colaço, a autora do texto