E de repente, assim que sinto o sussurrar do vento, pressinto a sua presença. Nunca falha… basta eu querer meditar…
Ilustração: "Insomnae" de Fernanda Rocha Incluído no Livro Pé de Carvão e Poemas na Palma da Mão de Ruth Collaço.
Insurjo-me, sabendo que não sou perfeita e que nem sempre me consigo comportar, levanto a mão e peço que não fale… porque hoje preciso eu de falar.
Ato contínuo, começo por dizer:
“Há dias que juro que algures lá em cima, puseram um dispositor de senhas no portal do meu dia, e foram distribuindo a quem tinha vontade de implicar sem ter com quem.
Começo a pensar que não passo de marionete, e que os fios que controlam e orientam os meus movimentos são controlados por um conjunto de guionistas de uma qualquer comédia de um teatro, ou um “Reality Show”, ou uma novela. Sabes?
Continuo eu, como se lhe fosse sequer dar hipótese de me responder.
“Daqueles em que toda gente vê o que se passa em palco menos tu. Ou daquelas novelas manhosas em que quem escolhe o final é sempre o publico e o coitado do ator nunca sabe que guião há de seguir.
Este grito pela liberdade que ensaio dentro de mim, começa a ser um sufoco, uma doença que ameaça.
Uma dor!
Tenho disparos no coração e fico sempre aquém do que quero fazer para mim e comigo.
“Dedica-te mais à casa e tem juízo, agarra-te mas é ao trabalho, se isso que queres me desse dinheiro…, ainda vá que não vá…..”
Oiço o ressoar de frases de “dedo apontado”.
Para aumentar ainda mais a minha incredulidade perante certas (estas!) atitudes, e ainda por cima… tudo isto vindo de quem vê que tento, mas tento tanto fazer algo que me faça feliz dentro da minha essência.
“Tu estás é com uma C.F.I!”
Na ironia da frase, percebo imediatamente o significado a sigla vinda da boca de quem quase nunca tem coragem, ou se digna, para partilhar o que pensa. :
Crise de Falta de Importância.
“Mas afinal quem é que me ama mesmo?!…
Espera,… (constato, e atónita, a esta altura dou conta que estou praticamente a perguntar e a responder a mim própria) quem eu pensava que já me conheceria a esta altura, parece não entender, e pelo “andar da carruagem, parece que afinal nunca o irá saber fazer”.
Entender-me…!
Será que sou assim tão difícil de entender?
Ora, por favor…!
Depois vem quem diz-me querer bem e num falso altruísmo diz:
“Vai! Força! Seguem em frente!” apenas para depois com desdém ou indiferença tentam demover-me… com frases feitas.
Razão têm os rebeldes.
E sabes que mais?
Eu estou cansada!”
Vendo que hoje já terei passado e ultrapassado a minha capacidade de a escutar, passa a mão na minha testa afastando um caracol do meu cabelo (até esse hoje está rebelde!), e antes de me dar um beijo de despedida na testa diz pacientemente:
“Essa, filha… é a batalha sagrada entre a individualidade e co-dependência.
Entre o desejo de agradar e a necessidade de ser autêntica.
Era sobre isso que te vinha falar, mas vejo que já não será necessário tocar no assunto.”
Num misto de orgulho por ter sido reconhecida na minha intenção e batalha interior, por ter sido a mesma validada (sempre… porquê sempre esta necessidade de validação…?), respiro fundo e fecho os olhos.
Quando os voltei a abrir, já Ela (a Voz) dançava num rodopio entre as pétalas de amendoeira, num suave prenúncio da Primavera. No ar, assim como quem deixa cair uma flôr pelo caminho consegue ainda deixar-me o recado:
“Tréguas, silêncio e consciência…”
Penso então para dentro como uma menina teimosa,…
“Hoje assino eu”. Porque hoje, quem falou fui eu!)
Ruth Colaço, a autora do texto