O dia acorda frio e um céu azul permite que eu mergulhe na paz que tanto procuro. Sinto os primeiros raios de sol a brilhar no cabelo e logo a seguir viro-me de frente para o receber.
Estamos perto do céu, aqui onde o véu entre eu e a Luz é mais fino do que em qualquer lado. Estou tão perto da voz que a sinto, hoje ela não precisa falar.
Eu sinto-a. Hoje eu sinto-a.
O alto das montanhas desta majestosa cordilheira do Gerês, fala-me todos os dias.
Basta-me escutar, sentir.
O vento que arranha os picos e copas douradas pelo sol da manhã, parece dizer num som gutural
“estou aqui.
És pequenina, mas aqui, no todo da mãe natureza és uma e una a tudo.”
Serra do Gerez
Ao longe oiço o chiar de uma águia, que voa em círculos, numa espiral de sobe e desce no ar, quase parece estar a bordar o azul do céu com uma linha de sonhos…
Os meus?
Vai-se aproximando do ponto onde a vejo; exibindo o seu voo seguro, altaneiro, esperançoso.
Encheu o peito de ar e sorriu, como se o meu espírito tivesse encontrado todas as respostas que (ainda) procura. Simples, é tão simples, basta respirar, reconhecer, honrar e agradecer à vida.
E é nesse preciso momento que a sinto, a voz que me fala hoje adentrou-me com o sol nos cabelos, no rosto, na pele… para o pensamento (como se fosse possível fazê-lo) e busco em mim a presença o agora. Tenho a perfeita noção que por mais que se queira ou se lute, não há como realmente apagar os últimos dias que por mim passaram (sim, passaram por mim porque eu fiquei aqui neste lugar e momento contemplativo), e escuto.
“Agora que já olhaste para os dias que por ti passaram, deixa que te fale dos que aí vêm. Neles irás entender que o poder transformativo reside em ti. Faz contigo esse compromisso de transformação.
Todas as tuas “eus” passadas já não são uma ameaça, precisam de ser integradas em ti, não as ponhas numa jaula, nem os silencies.
Deixa que elas (todas as tuas TU) te ensinem e mostrem o que funcionou e não funcionou, para que possas aparecer a todos os que amas sem qualquer bagagem desnecessária.
Sabes bem que tipicamente, sempre gostaste de desafiar as normas com essa tua fome por transformação com que te vejo agora. Sabes que te julgas e analisas constantemente e isso faz com que o agora, que procuras a transformação, é um momento critico para o fazeres ou experimentar. Sabe, contudo, apenas uma coisa, só tu podes ser aquilo em que te queres transformar. Faz a lista, decida e clara tal como tu pedes aos outros.
"Jamais deixes que o coração e a mente entrem em conflito, encontra antes a fórmula de pores os dois a andar lado a lado.”
A águia começa agora a afastar o seu voo, chia e canta enchendo o vale de um eco em despedida.
Aconchego o cachecol, e volto para dentro. De mim.
Perto do véu
Aqui onde o amor me falta
Poemas voam livres como folhas
Dispersas ao vento do pensamento
Há voos de águias e o seu chiar
Ecoam no céu azul da saudade
Sobram os rios, vales e ribeiras
Levando-me até ao ponto começo
Aqui onde os galhos de árvores velhas
Abanam as copas douradas do tempo
Aqui que eu me sinto tão perto do "nada"
Que vejo a noite num véu de estrelas
É onde eu percebo o amor que me habita
Ruth Colaço: Autora do Texto e Poema