Mantem-te intacta, mesmo ao fundires com o que te rodeia, e verás que o que é verdadeiro jamais te fragmenta.
Dou por mim banhada no sol tardio da manhã.
Submersa que estou no quanto a vida já me deu e testou, sinto o desconforto que roça o quase-assoberbada-em-reflexão.
Agito-me um pouco, afasto o cabelo dos olhos, verifico a temperatura do meu café da manhã, beijo a chávena ao de leve como se de fosse provar um segredo.
Hoje não me apetece meditar, quero penas deixar-me estar quieta, enquanto as conversas tranquilas de outras vozes me envolvem numa sonolenta paz interior…
Da mesa do lado, destaca-se a voz de uma anciã.
Suas cãs, alvas como a neve também esvoaçam levemente em torno dos seus olhos… mas esta, já bem mais habituada que eu a resignar-se com os ligeiros imprevistos do dia, não se deixa distrair nem se inquieta.
Sua mãe, já tão mapeada como esta terra, pousa suavemente na mão da (presumo) sua neta.
Com uma curiosidade que me deixa envergonhada de mim mesma, permito-me escutar a conversa, e logo do início arrependo-me de o fazer, sabendo que de uma forma ou de outra nas suas palavras, haverá também para mim uma mensagem, um recado…
É que os anjos também se fazem ouvir pelas ruas, pelas esplanadas.
“Mantém-te intacta, filha… eu sei que sentes falta de te sentires completamente entendida, e ainda assim continuas a insistir em proteger-te de seres vista.
Porquê essa vontade de continuamente manteres a distância entre ti e os que amas?”
Eu logo vi….
Penso para dentro.
Parecia que aquela velhinha me tinha lido o pensamento!
A esta altura, já a neta libertara uma lágrima pesada e redonda pelo rosto.
“Porque é que não experimentas ser mais criativa na tua forma de proximidade?
Já reparaste?
Hoje o dia está perfeito para teres gestos mais afectuosos que o normal…”
Disse, piscando o olho. Há qualquer coisa num piscar de olhos de uma avó que tem sempre a tendência de derreter qual desgosto de uma neta, penso enquanto me lembro da minha.
Sinto o peito a ficar pequenino, tento apanhar nas costas da mão uma lágrima que traiçoeira se deixou espremer da minha vista.
“Tu que tanto gostas de apreciar os pequenos gestos, escreve-lhe uma carta, daquelas à antiga…
Cultiva a atração por quem te alimenta a alma de alegria. Sê livre na expressão das tuas emoções…
Exige de ti o valor que tens e partilha a tua luz, o teu amor. Verás que pensamentos te surgirão como nuvens brancas, luzidias num céu azul como este…
Mantem-te intacta e verás que o que é verdadeiro jamais te fragmenta.
”Da sua mala, tirou um lencinho, reparei no monograma “M”.
“Liberta-te do padrão logico dos outros, e sê tu mesma.
Sabes às vezes tudo o que tens que fazer é deixar que a tua luz brilhe… e a vida ilumina-se à tua volta…”
“Oh vozinha…. Tu não existes!”
“D. Madalena, um chazinho de Príncipe?”
“Não, minha querida, hoje são dois… de princesa”.
Pronto… recado dado, penso para os meus botões, e sem me aperceber, sorria também.
(Para a Avó Angelina)
Ruth Collaço, a autora do texto