27 Jan
27Jan

Naquela tarde ensaiou pedir-lhe 

"abraça-me faz-me sentir que sou gente..."   

Precisava de sentir algo de forte e sereno que embrulhasse o seu corpo, que fizesse possível perceber o contorno do seu corpo. Que ao sentir o corpo abraçado, aconchegado chegasse à firme certeza de que existia mesmo. Que não era apenas um holograma do dia a dia e que a sua presença não seria trespassada por um gesto qualquer de banalidade. Sim, queria o corpo tocado. Queria o arrepio de uns braços quentes nas suas costas, e queria... Oh! como queria sentir-se gente. Gente, não só de alma, mas de corpo também. 

Gente viva.   

Gente presente. 

Quantas vezes teriam passado um pelo o outro sem que se tocassem? 

Quantas mais teriam estado lado a lado sem sequer se verem... com olhos de ver, como se vê gente a passar.   

Quantas vezes um tocava o outro com o olhar, e quantas mais seriam as vezes em que palavras, vestidas de verdades escondidas se deixavam notar entre um sorriso e um "estou bem"? 

Mas precisava de se sentir gente. Sentir que o seu corpo era tocado porque era real, existia... ou seria o contrário? Será que só sentido o toque o seu corpo se materializaria ali... assim, de repente. 

Como saber que se existe?    

Como saber que se sente?    

Como saber que se vive se á volta do corpo matéria tinha apenas.... roupa. 

Só queria sentir-se gente, por fora, para que pudesse partilhar o que tinha por dentro. 

Abrandou o pensamento onde tinha ensaiado todo o seu pensar e pesar, acelerou o passo vendo que se fazia tarde. 

Porque o tempo, embora não se veja, não se toca.... o tempo sente-se e vive-se e passa por nós.   

Virou a esquina, aconchegou o cachecol num nó moderno à volta do pescoço...

 "Oh, perdão.... foi sem querer. Não vi que vinha a virar a esquina. Com este frio e esta chuva uma pessoa nem vê onde pisa, quanto mais ver contra quem se esbarra. Perdão mais uma vez..." disse apologeticamente com os braços à sua volta, para que não caísse. 

"Estou bem..." respondeu. "basta estarmos vivos, para nos esbarrarmos uns contra os outros. 

E sentiu-se gente.... 

E tu? já te sentiste gente hoje? 

Na inconstância dos seres há vazios que permanecem. As almas flutuam procurando preencher os espaços. Mesmo assim, há um sentimento de que o passado poderia voltar, apaziguando o vazio existencial. Apenas, transgressões da saudade. É porque o amor existiu. 

Ventos Sábios


Só quero o nosso abraço 

Será mudo e sentido 

Será forte e intenso 

Será luz e força 

Será bondade que sobra 

Será suave e sereno 

Será mar e vento 

Será o que trago dentro 

Será o que dás de ti 

Será lagrima soror 

Será voo colibri 

Será aguia a planar 

Será promessa cumprida 

Será caminho e estrada 

Será laço nosso selo 

Será nosso, aquele braço! 

Ventos Sábios



Ruth Collaço, a autora deste texto e poesia.

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