Naquela tarde ensaiou pedir-lhe
"abraça-me faz-me sentir que sou gente..."
Precisava de sentir algo de forte e sereno que embrulhasse o seu corpo, que fizesse possível perceber o contorno do seu corpo. Que ao sentir o corpo abraçado, aconchegado chegasse à firme certeza de que existia mesmo. Que não era apenas um holograma do dia a dia e que a sua presença não seria trespassada por um gesto qualquer de banalidade. Sim, queria o corpo tocado. Queria o arrepio de uns braços quentes nas suas costas, e queria... Oh! como queria sentir-se gente. Gente, não só de alma, mas de corpo também.
Gente viva.
Gente presente.
Quantas vezes teriam passado um pelo o outro sem que se tocassem?
Quantas mais teriam estado lado a lado sem sequer se verem... com olhos de ver, como se vê gente a passar.
Quantas vezes um tocava o outro com o olhar, e quantas mais seriam as vezes em que palavras, vestidas de verdades escondidas se deixavam notar entre um sorriso e um "estou bem"?
Mas precisava de se sentir gente. Sentir que o seu corpo era tocado porque era real, existia... ou seria o contrário? Será que só sentido o toque o seu corpo se materializaria ali... assim, de repente.
Como saber que se existe?
Como saber que se sente?
Como saber que se vive se á volta do corpo matéria tinha apenas.... roupa.
Só queria sentir-se gente, por fora, para que pudesse partilhar o que tinha por dentro.
Abrandou o pensamento onde tinha ensaiado todo o seu pensar e pesar, acelerou o passo vendo que se fazia tarde.
Porque o tempo, embora não se veja, não se toca.... o tempo sente-se e vive-se e passa por nós.
Virou a esquina, aconchegou o cachecol num nó moderno à volta do pescoço...
"Oh, perdão.... foi sem querer. Não vi que vinha a virar a esquina. Com este frio e esta chuva uma pessoa nem vê onde pisa, quanto mais ver contra quem se esbarra. Perdão mais uma vez..." disse apologeticamente com os braços à sua volta, para que não caísse.
"Estou bem..." respondeu. "basta estarmos vivos, para nos esbarrarmos uns contra os outros.
E sentiu-se gente....
E tu? já te sentiste gente hoje?
Na inconstância dos seres há vazios que permanecem. As almas flutuam procurando preencher os espaços. Mesmo assim, há um sentimento de que o passado poderia voltar, apaziguando o vazio existencial. Apenas, transgressões da saudade. É porque o amor existiu.
Ventos Sábios
Será mudo e sentido
Será forte e intenso
Será luz e força
Será bondade que sobra
Será suave e sereno
Será mar e vento
Será o que trago dentro
Será o que dás de ti
Será lagrima soror
Será voo colibri
Será aguia a planar
Será promessa cumprida
Será caminho e estrada
Será laço nosso selo
Será nosso, aquele braço!
Ventos Sábios
Ruth Collaço, a autora deste texto e poesia.