16 Feb
16Feb


“… A podes até pensar que estás prestes a descobrir algo importante hoje… “

Como?! 

Olho á minha volta e tento encontrar a dona daquela Voz… pensando eu que estava quieta e sossegada sentada na relva… sim, estava a meditar, mas o facto de estar ao ar livre não dava o direito a seja quem fosse que estivesse por ali a incomodar-me. 

Já ninguém respeita o silêncio alheio? 

Foco-me na respiração, na brisa….

Alameda da Encarnação


De novo aquela voz que trauteava uma gargalhada quase infantil…

Irritada, tento ignorar… 

Inspiro. Expiro.

“… pode até chegar como um sussurro subtil ou com a claridade de um relâmpago! 

Não tem que ser tudo lógico, filha…”

E foi quando disse “filha…” percebi que novo me fazia companhia.

Aliviada por não estar a ser observada, julgada e incomodada por um curioso qualquer, deixei-me ali estar. 

Aceitei. 

Assentei. 

Deixei fluir... a esta altura do campeonato, já percebi que quando ela tem algo a dizer, diz e pronto.

Senti o calor da terra, na espinha um suave arrepio fibrilou-me a alma …. 

“Estou pronta, estou presente… aqui, agora…”, pensei para mim...

“Sabes, por vezes o que sentes ser o teu dever nem sempre equivale com o que pensas serem as tuas responsabilidades para com os outros, e tu não tens que ter uma audiência que te aplauda, não tens que agradar absolutamente ninguém.”

Franzi a testa… 

Como?!

Ignorou a minha expressão…“

Ainda por cima tens essa cisma de não mereceres o amor de ninguém, o que te leva a empolgar a importância dos outros, como forma de minimizares o que realmente te fere e ofende o coração.”

“Pronto!” Pensei…” Agora pôs o dedo na ferida e eu vou ter que ouvir o resto”, sabendo que a minha curiosidade jamais me deixaria em paz, inspirei... expirei...“

Abranda… 

Como é mesmo o teu lema? 

Caminhemos, não é? 

Pois então caminha… não corras nem pares. 

Abranda o passo, procura um coração amigo e deixa que te valide o valor que te negas, permite-te ser amada.

Senti um nó na garganta, tal foi a clareza com que senti… como um raio de luz vindo do céu… este que sentia tantas vezes adensar em mim, como se dolentes nuvens fossem parte do que sou, do que sinto. 

Céus… quantas vezes…! Esta angústia que por vezes sinto, como se fosse um bicho invisível que volta e meia me morde os calcanhares.

“A amizade é o melhor repelente para coisas que mordem”

De novo o nó que se forma na garganta apertou, alastrando o aperto como um cordel à volta do coração. E senti-o. O coração. Senti-o vivo, contrito, implorando que eu continuasse a ouvir.

“Antes de te deixar a sós contigo própria, deixo-te uma sugestão sobre a qual te peço para refletires um pouco antes de também tu te ires embora.”

Num rasgo de clareza que quase me levou à lucidez daquele momento, pensei “e tens toda a razão. 

Daqui a pouco estão as crianças da escola aqui ao lado a sair, trazendo com elas as aventuras e as gargalhadas do dia…“

Procede, insiste, crê, caminha com caução no que diz respeito aos afectos, mas mesmo assim permite-te usufrui o prazer que vem de confiar no amor que os outros têm por ti sem teres o receio de impor os teus limites. Não és só tu que amas…”

Senti que nos olhos me sobrava, gotas de água fazendo um leve traço húmido no rosto. “Será que vai chover?”, pensei. Senti o ar com a pele… “

Amar, e amar bem é também saber impor limites a ti mesma, assim como aos outros.

Se por acaso não for possível, filha… sabe que amar à distância também é possível.”

Com a clareza de um relâmpago tudo em mim entendeu…

Abri os olhos e com a serenidade da gratidão olhei para o céu. 

Estava a chover. 


(Conversas com a Voz)



Ruth Collaço, a autora deste texto



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