A serra da Estrela e a serra do Montemuro, bem distantes uma da outra, beijam-se com o olhar, sempre que o horizonte seja uma clareira de luz!

A transumância, ou seja, a deslocação dos rebanhos de uma região para outra, foi um elo de ligação, entre estas cordilheiras, desde tempos imemoriais, sendo a última viagem feita no ano de mil novecentos e noventa e nove!

Segundo uma lenda, Viriato o pastor Lusitano dos Montes Hermínios, todos os anos, desde o S. João até ao dia de S. Bartolomeu, procurava as pastagens do Montemuro, para sustento dos seus animais, visto que nesta altura os pastos escasseavam nos Montes Hermínios, hoje serra da Estrela!

Esta lenda transporta a transumância Estrela / Montemuro para o século II a.c !

Na falta de pastagens nas faldas do Mondego, muitos foram os rebanhos que viajaram durante dias até ao Montemuro, chegando a serra ser povoada com mais de vinte mil cabeças de gado! Os guardiões de memórias relatam vivências dos tempos em que viveram no Montemuro! Algumas de enorme drama, outras de grande alegria! No fundo, uma teia feita de muitas emoções!

Festa da Transumância - arquivo pessoal

Poderia narrar muitas outras, mas, esta é uma das que me provocou uma grande gargalhada!

O rebanho tinha acabado de chegar ao rodeio da Póvoa do Montemuro. Apesar de cansados, todos lavados em suor, o senhor José vira-se para o pastor Cesário, que pela primeira vez, integrava o rebanho transumante e diz-lhe:

- Olha lá, ó rapaz, vês além aqueles penedos que parecem um castelo com uma torre? Lá chama-se, o Talegre, está no monte do Câmbio que pertence ao povo de Alhões!

Tens que aprender os nomes dos montes, senão vais ser mais burro que aquela burra que anda lá baixo a pastar!

Agora, ouve bem o que eu te digo! Pegas naquele saco e vais até lá! Do lado de trás, virado para a aldeia de Alhões, há um grande pomar de pessegueiros, com pêssegos de muitas qualidades e já estão maduros, que eu tenho lá ido todos os anos! Enches este saco deles, mas tem cuidado, não partas nenhuma pernada para o dono não nos vir pedir contas!

Eu ouvia o senhor estupefacta! Um pomar no Talegre!? Virei-me para ele e com uma mistura de revolta e admiração, disse-lhe:

- Ó senhor José, como é possível, eu andar tantas vezes no Talegre, e nunca ter reparado no pomar?

O senhor José não aguentava de tanto rir! Queria falar-me mas as palavras sufocavam na gargalhada estridente que se fazia ouvir na capelinha da Santa Eufémia!

Eu olhava-o contagiada com a sua boa disposição, ignorando o motivo de tanto riso! Foram precisos largos minutos para o senhor José exclamar:

Foto: Arquivo pessoal

- Ó senhora professora, como queria ver o pomar dos pessegueiros, se lá nunca houve nenhum! A senhora bem que caia na armadilha como o pastor Cesário! O desgraçado debaixo de um sol abrasador fartou-se de caminhar e quando chegou com o saco vazio ainda pediu desculpa!

- Ó tio Zé eu corri o monte todo, mas vinha em baixo um homem com as vacas e eu tive medo que fosse o dono do pomar e deitei-me a correr!...

Os pastores que pela primeira vez, fossem para a serra, eram autênticos bobos da corte, neste caso, bobos da serra que serviam para alegrar a vida dificil dos "homens de pau e manta"!

E aquele pastor transumante que foi mandado à nave da Gralheira para puxar o rabo da vaca que tinha fugido para lá? Ele puxava, a vaca roncava e o dono da vaca a correr na direção dele com uma enxada na mão!...

Serra da Estrela

 

Publicado em
24/5/2021
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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