Saber ouvir o tempo

 

-Dia lindo, senhor Bernardino, para trabalhar a terra!

- Verdade, minha senhora! Andei a espalhar o estrume, para fresar a terra.- respondeu o senhor Bernardino, ao mesmo tempo que retirava a boina da cabeça para me cumprimentar.

- Vai fresar, ou lavrar, senhor Bernardino?

- Lavrar, não pode ser! A terra está encharcada e teria que esperar que ela secasse! Assim, freso e amanhã vou à feira a Viseu comprar cebolo, para o plantar!

- E já vai tarde, a plantação do cebolo, ou não?

- Pois, é verdade, mas o tempo não deixou antes! Mas, minha senhora, nós às vezes, também andamos mal e se o tempo deixar ficamos bem! Pode ser que o tempo agora nos ajude e o cebolo recupere  o tempo perdido!

- Tem chovido bastante e isso atrasou as sementeiras e as plantações, eu sei!

- Eu recordo, chover muito mais! Era eu ainda solteiro e durante quinze dias não parou de chover. As terras estavam todas inundadas. O ribeiro galgava as margens e os campos ficaram tão  encharcados que nem os gados saíam da corte. Havia aqui em Courinha um senhor que tinha gado como toda a gente. Não havia casa nenhuma que não tivesse uma junta de vacas e ovelhas. O  senhor, que até tinha o meu nome, deitava feno ao gado e as sementes do feno reproduziram-se na lã das ovelhas. Cresceram ervas no corpo delas...Aquilo, foi algo nunca visto!  A lã das ovelhas coberta de ervas como se fosse um lameiro!

Depois, o tempo melhorou e o senhor Bernardino, Deus o tenha, tosquiou o gado, pois só assim conseguiu que as ervas deixassem o corpo dos animais.

Eu fiquei perplexa! Muito ouço deste povo que tanto já viveu, mas ovelhas com o corpo coberto de ervas, nunca tal tinha ouvido! Continuei a conversa com o senhor Bernardino, pois tal como eu lhe disse, eu não canso de o ouvir!

- E as batatas, senhor Bernardino, as que semeou no cedo, apodreceram na terra?

- Nada disso, minha senhora!  Tenho ali um pedacinho de terra com algumas batatas e  estão lindas. A rama viçosa, não houve mal que lhes pegasse, com a graça de Deus, apesar de tanto inverno!   Nem a queda forte da geada, que como sabe devastou muita coisa, queimou as folhas! É tudo como Deus quer! Ele é que manda!

O senhor Bernardino continuou a espalhar o estrume, pois tem que aproveitar o bom tempo, para semear os campos. O primeiro passo é fresar e não lavrar.  Tal como ele diz, a terra fica lisa e não se  vai buscar à profundidade.  Essa viria muito molhada e não se podia trabalhar, pois seria uma massa. Teria que esperar uns dias para secar e já é tarde para muitas sementeiras. Há que correr atrás do tempo, remate ele.

E eu, corro atrás da minha sombra que me acompanha nas minhas caminhadas e me proporciona encontros com pessoas que  tanto têm para me dar.

Foto: arquivo pessoal

 

Publicado em
13/5/2021
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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