Os rapazes da aldeia, logo depois da Missa do Galo, apressavam os passos em direcção ao adro da capela.
O escuro do caminho parecia naquela noite, um céu de estrelas brilhantes e depressa percorriam, a distância que os separava da Igreja Matriz de Mangualde até ao Canedo.
Tinham que ser os primeiros a chegar para darem início àtradição.
Em cima do terreiro amontoavam os cepos, as raízes e os troncos que, uns dias antes, tinham furtado às pessoas mais abastadas.
Sim, mais abastadas, porque nem toda a gente tinha lenha!
Era frequente, durante o ano, verem-se as pessoas no meio dos pinhais a roubarem ramadas que amarravam com giestas e carregavam à cabeça até suas casas. Por vezes, os molhos eram tão pesados, que se viam mulheres ou raparigas curvadas transportando -os às costas.
Mas, volto à fogueira que se fazia no adro da capela.
Os rapazes que nesse ano tinham ido "às sortes", ou seja, aqueles que, na voz dos mais idosos, tinham ultrapassado a fase de rapazolas para se tornarem homens feitos prontos para a vida e prontos para a guerra, eram os responsáveis por aquele ritual.
Eles sabiam das matas que tinham bons troncos e raízes para furtar.
Transportar tanta quantidade de lenha para o adro da capela, não era fácil. Valiam-se da força braçal, ou, na melhor das hipóteses, de um carro de bois.
Os donos, normalmente, faziam -se despercebidos, porque o Menino Jesus precisava de ser aquecido naquela noite tão fria do seu nascimento.
Era este o dogma principal, da tradição do madeiro aceso no adro da capela
- acender o lume para aquecer o Menino que tinha acabado de nascer.
E porquê, o lume só se acender após a Missa do Galo?
Boa pergunta, como também eu perguntava à minha mãe, o porquê de se chamar àquela missa tão cheia de Luz, Missa do Galo!
- Filha, já eu era crescida, uma rapariga feita, quando a tua tia freira, a minha santa irmã, me respondeu a essa mesma pergunta. Nunca mais esqueci os ensinamentos que dela obtive. Gostaria de ter muitos mais, mas como sabes, a tua tia freira, fez votos de clausura e poucas vezes, se mostrou ao mundo. E, foi com a minha mãezinha que esta e muitas outras respostas eu obtive.
Pois bem!
O nome da Missa do Galo não surgiu pelas lindas cores deste galináceo, nem muito menos por ele ser o rei da capoeira!
Segundo a sabedoria antanha, à meia-noite do dia 24 de Dezembro, um galo anunciou o nascimento do Menino Jesus, cantando tão alto e tão bem, que o seu canto chegou aos pastores de Belém e a todos os habitantes da Terra.
Não se sabe, onde estava aquele galo que anunciou a vinda do Messias, o Salvador, mas segundo outra lenda, no lugar onde se deu a Natividade, estavam três animais.
Um burrinho, uma vaquinha e um galo.
Também este galo cantou doze vezes e só se calou quando Jesus saiu do ventre de Sua Mãe.
Será por esta crença, que a Missa do Galo é precisamente à meia noite?
E que importa?
O Povo lá tem as suas razões, e todos nós que amamos as nossas tradições, sentimos saudades da grande fogueira ateada no adro da capelinha na noite da consoada. Ali, a população se reunia e passava grande parte da noite a comerem chouriças assadas na brasa e figos secos tudo regado com aguardente ou vinho, enquanto partilhavam memórias, vivências e se lamentavam das agruras da vida.
E nós que nesses tempos vivíamos as primaveras dos anos, quantas imagens, quantas lembranças guardamos no baú das nossas memórias?
São vivências incontornáveis, intemporais que, hoje, transmitimos às gerações mais novas. Costumes vindos do tempo da nossa infância e juventude. No meu tempo, repetimos agora, nada era como hoje!
Nem o natal, nem a passagem do ano... tudo era diferente!
A passagem do ano na aldeia, era celebrada com ritos especiais, onde a fogueira no adro da capela voltava a dar vida à noite, enquanto um grupo de jovens, percorria a aldeia, dando as boas festas e pedindo as janeiras.
Jovens, porque as crianças não andavam pela noite.
Estas, sozinhas ou em pequenos grupos pediam as janeiras durante o dia, mas este costume será falado a seu tempo. Os cânticos eram os mesmos, ensinados pelos mais idosos.
" Ó da casa nobre gente abri-de e ouvireis uma história de pasmar passada co Rei dos reis
Viva o dono desta casa
fita verde no chapéu
quando vai para a igreja
parece um anjo do céu
Viva a dona desta casa
sentadinha na lareira
levante-se daí, senhora
venha-nos dar as janeiras..."
