
O dia começava a caminhar para o crepúsculo, quando chegámos a Montão.
Uma senhora de lenço na cabeça, embrulhada num xaile preto, estava sentada numa pedra, junto a uma capela.
Talvez esperasse pela hora do terço, ou simplesmente, se refugiasse na nostalgia do seu tempo envelhecido!
...Ao ver estacionar um carro estranho, soltou um suspiro, entre a negrura do lenço que lhe caía nos olhos.
Depois, levantou-se, abeirou-se de nós e murmurou:
- Venham na graça de Deus e Maria, boa gente. Quem procurais nesta terra?
- Boa tarde, minha senhora! Nós vamos para Ramires, sabe dizer-nos se é longe daqui? - respondeu minha mãe.
- Ide, ide, com a ajuda do Senhor, pois têm muito para andar e o caminho não vos ajuda. Se precisarem de alguma coisa, ao chegarem a Rio Mau, hão de encontrar alguém.
Revezando o peso da mala que fechava os meus sonhos, não fossem eles cair às águas do rio e serem triturados pelos moinhos que faziam chegar até nós os gemidos do rodízio, subimos o caminho estreito, abafados pelo ritmo acelerado dos passos.
Ao chegarmos a Verdozedo, parámos para acalmar o alvoroço dos corações que parecia quererem saltar do peito.
Com um braçado de couves e algumas espigas de milho no colo do avental, uma senhora caminhava apressada, rasgando a pele áspera dos pés.
Um cão, com a cauda a abanar, seguia-lhe o rasto.
De rosto fatigante, cumprimentou-nos num instante de misericórdia e perdemo-la de vista, quando entrou num palheiro.
- Vamos, vamos...por este andar, quando chegarmos a Ramires nem uma vivalma encontraremos!
- Não se esqueçam que temos que arranjar, onde deixar a minha filha! - disse minha mãe com algumas lágrimas a lavarem-lhe o pó do rosto.
Duas horas depois estávamos em Ramires.
O sol já dormia o primeiro sono e um frio agreste enregelava a alma. Tudo era escuridão!
Meu pai pegou na pilha, que levava no bolso e ligou-a!
Uma luz ténue era nossa guia.
Ramires, uma aldeia tão diferente da minha!
Lembro que a minha primeira pergunta foi:
- Pai, mãe, aqui não vive ninguém?
- Só vejo palha de centeio a cobrirem as casas e as casas não têm chaminés nem janelas grandes!
Não fosse o cheiro a fumo, que se respirava e a ruela entapetada com caganitas frescas de gado, diríamos que tínhamos chegado a uma aldeia fantasma.
Uma casa de pedra que se destacava entre as outras, tinha o símbolo do telefone público.
Um sinal que seria ali que teríamos que pedir as informações precisas.
Minha irmã preparava-se para bater à porta entreaberta, quando um senhor surge de uma rua estreita, com uma sachola ao ombro.
- Que andaria ele a fazer aquela hora tardia, com uma sachola?
- Na minha aldeia depois do toque das Avé Marias ninguém mais pega em alfaias agrícolas! - questionei-me eu.
- Boa noite, meu senhor!
- Esta menina é a professora da aldeia. Precisamos saber, se haverá alguma alma caridosa que lhe dê um teto para ficar. - disse minha irmã.
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Muito educadamente, tirou o chapéu que lhe cobria os poucos cabelos brancos e, fazendo uma vénia, cumprimentou-nos.
Depois, pegou na minha mala, carregou-a nas costas e pediu que o seguíssemos.

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Nota do editor: Este é um pequeno fragmento das memórias da Celeste, na sua trajetória pessoal pelos caminhos do interior de Portugal.