Mil novecentos e setenta e cinco, ano em que minha aldeia ficou para trás!
Canedo do Chão, teu húmus é minha raiz! A raiz que viverá alimentada pela minha alma!
- Vamos embora, Lete! Ramires, fica no coração da serra do Montemuro, e nem sabemos como chegar lá! Entra no carro! Vamos, pai, vamos mãe!
- dizia a minha irmã Adélia, a mais velha de oito irmãos, infelizmente, falecida há longos anos.
Arrastei uma mala vermelha, uma mala que ainda guardo no espólio do meu passado! Por vezes, limpo-lhe o pó e faço-lhe carícias com as mãos, à espera que ela me conte alguns dos segredos que guarda, há mais de quatro décadas, na bagagem invisível do seu interior!
Naquela época, esta mesma mala, ia cheia de sonhos, muitos sonhos que faziam de mim, uma rapariga afortunada.
Meti-a na bagageira do carro e sentei-me no banco de trás ao lado da minha mãe.
Durante algum tempo, minha boca parecia ter os lábios colados! As palavras atropelavam-se na garganta. A minha mão libertava um suor frio, aquecido nos dedos da minha mãe que me acariciava o silêncio.

- Então filha, parece que não estás feliz? Que se passa contigo? Tanta ansiedade, tanta agonia, tanto desespero, enquanto não soubeste se tinhas sido colocada!...
- Pai, eu estou demasiado feliz, muito feliz, mas parece que arrancaram um pedaço de mim! É uma sensação estranha, uma mistura de emoções! Quero e não quero. Sinto, que deixo para trás pedaços da minha vida que bordaram a almofada, onde deitei minha cabeça durante tantos anos, meu pai!
Mas, vamos, vamos - balbuciei, enquanto uma gargalhada abafada se ouvia nos meus sussurros.
As horas iam passando e tons reluzentes de azul, vermelho e ocre pintavam o céu sem cortesia.
Hora e meia de viagem e chegamos à vila de Castro Daire.
Minha irmã estacionou o carro, junto ao jardim.
Para ela, aquela vila era familiar, pois, tal como eu, começou a sua "missão " em terras do concelho de Cinfães!
Ao meu lado esquerdo, umas portas grandes, convidavam qualquer visitante a entrar, tal era o cheirinho a bacalhau frito que vinha do interior!
Do lado direito, sobranceiro ao jardim, um solar de enorme beleza contrastava com a vila modesta, mas hospitaleira, que parecia saudar com uma graça invulgar a nossa passagem.
Logo me despertou a curiosidade e, lembro que me dirigi a um senhor, ali parado e perguntei:

- Boa tarde, meu senhor! Por favor, o que me sabe dizer, sobre aquele edifício maravilhoso!
Com toda a cortesia, o senhor respondeu-me:
- Boa tarde, menina!
O edifício que admira é o palácio das Carrancas e a capela ali ao lado, é a capela das Carrancas. Isto pertenceu a gente muito rica, menina, foi mandado construir por um bispo de Lamego, D .Manuel de Vasconcelos, mas nada mais lhe sei dizer sobre o casarão.
Quem a poderá informar melhor, será alguém da Câmara Municipal que fica ali em cima. Basta ir por esta rua estreitinha e logo encontra a Câmara.
- Muito obrigada, senhor…
- António, menina, António, é o meu nome!
- Celeste, sou eu! Bem haja, senhor António! Até um dia!
- Desculpe a curiosidade, mas não é todos os dias que somos visitados por gente que não é de cá! Vão para onde, se é que posso saber?
- Vamos para Ramires, sou professora e fui colocada nessa freguesia do concelho de Cinfães!
- Senhora professora, não lhe quero outro mal…penso até, que não irá aguentar lá muito tempo! Aquilo é o fim do mundo! Mas, Deus Nosso Senhor a ajude…
- Muito obrigada! Até uma próxima!
O cheirinho do bacalhau frito, era uma tentação.
Ainda não eram horas de jantar, mas a incerteza de um novo encontro com outro espaço, onde se pudesse comer, levou-nos a entrar por aquelas portas tão grandes!
Sentados nuns bancos de madeira, à volta de uma mesa rectangular coberta com uma toalha de plástico aos quadrados vermelhos, um senhor aproximou-se e perguntou:
- Boa tarde! Desejam comer alguma coisa?
- Sim, por favor, bacalhau e pão para todos! Uma jarrinha de vinho e quatro copos. – respondeu o meu pai.
